Reunião fechada faz valer a vontade do governador Rui Costa e escolhe a Major Denice
Texto / Pedro Caribé* | Imagem / Acervo pessoal
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O sonho de uma candidata à prefeita com trajetória nos movimentos negros e de esquerda nas eleições de 2020 chegou ao fim no Partido dos Trabalhadores (PT) de Salvador. Neste domingo, dia 26 de abril, os delegados do diretório municipal decidiram negar a legenda à Vilma Reis, durante reunião virtual, devido o isolamento do Covid-19, porém fechada, sem acesso nem mesmo aos demais filiados.
O escore final foi de 32 votos para a Major Denice Santiago, sete votos para o ex-ministro Juca Ferreira, e seis votos para Vilma Reis. As pré-candidaturas da secretária Fabya Reis e do deputado estadual Robinson Almeida saíram na reta final em apoio à Major, conforme o previsto. Agora o partido, que nunca comandou a cidade, tentará vencer Bruno Reis, pré-candidato do presidente nacional do DEM, e do atual prefeito da capital, ACM Neto.
Reconhecida a derrota, Vilma mantém o otimismo: “Só tenho a agradecer a forma como fui recebida nas ruas e nas redes sociais. Não vamos terceirizar a nossa voz no enfrentamento aos que se acham donos da cidade”. Ela vê com reticências a opção pela militarização da política, e também as condições na escolha final, sem debate entre todos os pleiteantes, e as poucas condições para participação dos filiados.
O saldo positivo está ao impulsionar o PT a ter uma candidata negra, e destravar um debate dos problemas da cidade, sintetizado na elaboração de um programa de governo produzida por um conjunto de entidades e militantes: “Nós vamos seguir na popularização deste programa, e vamos construir um comitê coletivo comprometido com a eleição de vereadores e vereadoras de esquerda.”
Lançada no dia 02 de julho de 2019, dia da independência da Bahia, a pré-candidatura de Vilma Reis assumiu o slogan Agora É Ela!. Tornou-se referência no país como integrante de uma resposta ao brutal assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ). No caso de Salvador, capital de maior proporção de negros no país, 82% segundo o IBGE, jamais elegeu-se um gestor negro nas urnas, e nem mesmo os principais partidos de esquerda, PT, PCdoB e PSB, têm no seus histórico candidaturas negras.
Vilma se constitui ainda no movimento estudantil na redemocratização; socióloga, residiu na Europa e EUA, defendeu dissertação de mestrado na UFBA em 2005 sobre a política de segurança nos bairros populares de Salvador. Já era uma liderança do movimento de mulheres negras quando assume a Ouvidoria Geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia (2013-2019), e ganha reconhecimento por transformar o acesso ao sistema de Justiça no país.
A candidata do governador
A decisão do PT fica sob responsabilidade do governador do estado, Rui Costa. Ele tentou primeiro emplacar o ex-secretário de ACM Neto, Guilherme Bellitani, com apoio do capital imobiliário. Só que a ideia de uma candidatura negra cresceu, e também a deliberação nacional do partido de lançar candidatura própria. Foi então que preferiu filiar a Major Denice de última hora a ter que ceder a uma candidatura fora do seu controle.
Denice Santiago ganhou visibilidade na condução da Ronda Maria da Penha, voltada à proteção de mulheres vítimas de violência. Ainda assim, a escolha de uma policial militar reativou a crítica dos movimentos de direitos humanos ao mandato de Rui Costa frente a cumplicidade com a letalidade das ações policiais no estado, aja vista a declaração que justificou a chacina do Cabula em 2015, ao comparar a operação que matou 13 pessoas com “um artilheiro na frente do gol”.
Rui goza de alta popularidade, foi reeleito com mais de 70% dos votos válidos em 2018, e tem se notado por liderar um consórcio de governadores do nordeste no combate a pandemia do Covid-19 em contraposição a ação negacionista do presidente Jair Bolsonaro. Agora as pressões no campo governista na Bahia vão para cima da retirada da pré-candidatura da também negra Olívia Santana (PCdoB).
*Pedro A. Caribé, jornalista, doutor em comunicação na Universidade de Brasília.