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Uma PEC contra mulheres negras: o retrocesso da anistia a partidos que descumprem cotas

Em artigo de opinião, Laura Astrolabio  e Hannah Maruci analisam a PEC 9/23, aprovada na Câmara dos Deputados, que anistia partidos que descumpriram as cotas para mulheres e negros nas Eleições de 2022
Imagem mostra uma folha escrito PEC 9 NÃO! Sem anistia para os racistas.

Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

16 de julho de 2024

Por: Laura Astrolabio  e Hannah Maruci

A PEC 9/23 é uma Proposta de Emenda Constitucional que tem como objetivo anistiar os partidos que não destinaram, nas Eleições de 2022, recursos financeiros proporcionais às candidaturas de mulheres e de pessoas negras. Embora muito esteja sendo dito sobre o absurdo do descumprimento bilionário de uma lei constitucional ser simplesmente perdoado ou ainda sobre o fato de que partidos da direita à esquerda estejam apoiando e lutando por essa anistia, as análises dos impactos dessa possível aprovação têm deixado de lado os direitos políticos das mulheres negras. 

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Esse problema, no entanto, é anterior e estrutural. Na própria Emenda Constitucional 117/2022, que tornou lei a obrigatoriedade dos partidos direcionarem os recursos eleitorais de forma proporcional para mulheres e negros, a interseccionalidade de gênero e raça não foi considerada. Isto porque, não está explícito se as mulheres negras, de acordo com a lei, serão contempladas no marcador de raça ou de gênero. No entanto, está delimitado que elas não poderão se “beneficiar” dos dois, embora sejam mulheres e negras. Portanto, quando denunciamos a tramitação da PEC 9/23, precisamos denunciar também a invisibilização das mulheres negras durante todo esse processo, ainda que a lei fosse cumprida e que não fossem necessárias anistias.

No entanto, a situação é muito mais precária: a lei existe, não é cumprida e os partidos não são punidos por isso. Ao mesmo tempo, as mulheres negras seguem como o grupo social mais sub-representado, tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal. Além disso, são também as mais sub-financiadas e relatam muitas vezes, receberem os recursos muito tardiamente em suas campanhas, quando o recebem. Ou seja, o grupo que mais precisa ser contemplado por leis de ação afirmativa na política é também o mais negligenciado. 

Ainda assim, as mulheres negras continuam a fazer crescer sua representação política, mesmo que abaixo do necessário e do esperado. Elas o fazem, porém, apesar dos partidos políticos, ancoradas na solidariedade entre si, a qual o sistema político insiste em desincentivar, na construção coletiva, em projetos políticos comunitários. O fazem sem dinheiro, sem condições mínimas financeiras, mas amparadas por suas comunidades. 

Isto para dizer que as mulheres negras nunca puderam contar com as medidas institucionais para garantir sua presença nos espaços de poder e decisão, muito pelo contrário. O que nos leva a questionar: e se elas tivessem um financiamento justo e digno? E se os partidos cumprissem o mínimo, que é direcionar recursos de forma proporcional às candidaturas? E se suas existências fossem validadas, como mulheres e negras, e isso se refletisse em políticas mais robustas para incentivar a eleição delas? Com certeza, teríamos mais mulheres negras eleitas. Mas isso também significaria que aqueles que são sobre-representados, os homens brancos, perderiam espaço. E é por isso que os partidos continuam resistindo a cumprir as leis eleitorais de financiamento de gênero e raça. A PEC 9/23 é só mais uma forma de dizer: “aqui não” para as mulheres negras. Mas a resposta nunca será o silêncio, mas a resistência à qualquer invisibilização: não à PEC 9/23!

Laura Astrolabio é advogada e especialista em direito público. Hannah Maruci é mestra e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Laura e Hanna são diretoras e cofundadoras da Tenda, iniciativa de tecnologia social que capacita lideranças femininas, antirracistas e defensoras dos direitos humanos para campanhas eleitorais.

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