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Racismo Reverso: a dissimulação do discurso

Especialista reflete sobre o equívoco do termo “racismo reverso”, mote de debates recentes nas redes sociais em razão da participante do BBB, Lumena Aleluiater, ter sido denunciada pelo deputado Anderson Moraes (PSL-RJ) por "discriminar brancos"

Texto: Monique Rodrigues do Prado | Imagem: Reprodução/Redes sociais

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17 de fevereiro de 2021

Na realidade brasileira, as cotas raciais sempre foram em favor da branquitude. O Estado Brasileiro garantiu que negros não entrassem na escola (Constituição de 1824); não tivessem acesso à terra (Lei de Terras 1850, n 601) e que, mesmo depois da “abolição” a distribuição das terras fossem endereçadas aos imigrantes europeus (Decreto 528 de 1890). Ou seja, além de colonizadores, foram também historicamente os cotistas e favorecidos pela lei nacional.

O fomento de políticas afirmativas ou discriminação positiva é alicerçado pelo Princípios da Igualdade e Isonomia, os quais são admitidos inclusive do ponto de vista constitucional, de maneira que essa prática tem como objetivo trazer um equilíbrio histórico que promova reparação para grupos minorizados. Por isso, não nos surpreende que ações como a da Magazine cause tamanho desconforto porque subverte a lógica de subalternidade.

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Para admitir que exista racismo reverso, seria preciso também admitir que a hegemonia política, jurídica e econômica seja dominada por pessoas negras. Isto é, que pessoas negras no contexto brasileiro fossem os maiores donos de propriedade e dos bens, além de maioria no poder e na produção das normas, o que não é verdade.

Marcadores levantados pelo Instituto Ethos nos mostram que nas 500 maiores empresas, o número de pessoas negras nos cargos de alta gestão não chega a 05%. Esses números são igualmente desanimadores quando analisamos a realidade do judiciário pelos dados do CNJ, o qual denuncia que apenas 15% dos magistrados e ministros se autodeclaram negros. Na advocacia, o número cai para 01%, segundo pesquisa do CEERT nos 09 maiores escritórios de advocacia brasileiros. No Congresso Nacional, apenas 17% dos parlamentares são negros.

O papel decisório desses atores sociais é fundamental na gestão da vida pública e privada, seja no acesso e na distribuição de renda, seja no desenvolvimento educacional, social e econômico dos cidadãos. Entretanto, a armadilha da meritocracia desconsidera a dívida histórica que o Brasil tem com a população Negra e os Povos Indígenas.

Como diria a Psicanalista Grada Kilomba no livro “Memórias da Plantação” há “uma glorificação colonial“ e, complementa o historiador Luiz Antonio Simas, “o Brasil deu certo”. Essa glorificação do projeto colonial manteve intacto o pacto narcísico da Branquitude.

De acordo com Grada Kilomba, o historiador Paul Gilroy vai descrever cinco mecanismos de defesa do ego da branquitude: negação, culpa, vergonha, reconhecimento e reparação. Desse modo, do ponto de vista da “consciência coletiva”, o Brasil continua no estágio da negação, admitindo que existem ações e atitudes racistas, mas inadmitindo enquanto Estado-nação as facetas do racismo estrutural. Essa cegueira brasileira é proposital, visto que a branquitude jamais reconheceu a “Síndrome traumática pós escravidão”, descrita pela psicóloga P.hd Joy DeGruy em seu livro de igual título.

Depois do racismo pseudocientífico de Raimundo Nina Rodrigues e Renato Kehl perfeitamente explicados nos episódios do podcast “Infiltrado no Cast” por Ale Santos, ao invés de entrar para o time dos colonizadores culpados, o Brasil preferiu exaltar a literatura de Monteiro Lobato e Gilberto Freyre, que reiteraram estereótipos sobre as pessoas negras, as colocando em senzalas, cozinhas e na condição de servos e subalternos, o que mais tarde ganha nova roupagem com os cortiços, favelas, cadeias e na condição de “moradores de ruas”, como se rua fosse naturalmente um lugar para morar.

Claro que a gestão de políticas públicas foram grandes facilitadores para que o Pacto Narcísico (nom dado por Cida Bento em seu Doutorado na USP para explicar o elo entre a branquitude) continuasse sendo renovado geração após geração. Assim, não há surpresa que discursos de ódio sejam proferidos em relação as leis de cotas, as quais tem ampliado, consideravelmente, o número de negros nas universidades públicas (50,3%) e nos concursos públicos. Também não surpreende que ações do setor privado na contratação para cargos de liderança e executivos exclusivamente para pessoas negras sejam consideradas “racismo reverso”. Iniciativas como essas causam uma rachadura no pacto da branquitude, apesar do hiato social entre brancos e pretos e o primeiro grupo continuar sendo majoritário na posse de propriedades e nos cargos no alto escalão.

Monique Prado é advogada, comunicadora, estudiosa das Relações Raciais e engajada na luta antirracista.

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