A maioria das pessoas que vivem na cracolândia, região que concentra usuários de drogas em São Paulo, são negras. Mais especificamente, 45,8% pardas e 30,8% pretas, de acordo com uma pesquisa da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgada na segunda-feira (3).
De acordo com Maria Angélica Comis, coordenadora do centro de convivência É de Lei, organização da sociedade civil que atua na promoção da redução de riscos e danos sociais e à saúde associados ao uso de drogas, o perfil racial das pessoas que vivem no local é mais uma das faces do racismo que marginaliza a população negra no país.
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“A situação dos negros do Brasil está historicamente vinculada ao racismo estrutural e à desigualdade social. As pessoas negras sempre foram marginalizadas e a cracolândia é um retrato disso”, explica.
Os pesquisadores também concluíram que a idade média das aproximadamente 1.680 pessoas usuárias de drogas diariamente na região é de 35,2 anos. Ainda apurou-se que 68,7% são homens e 95% possui algum grau de escolaridade.
Para Maria Angélica Comis, que representa o É de Lei no Conselho Municipal de Políticas sobre Álcool e Drogas do Município de São Paulo (COMUDA), os números expressivos da pesquisa mostram que a situação das pessoas que vivem na cracolândia tem dimensão de raça, classe e gênero.
“É importante destacar a interseção entre raça, classe e gênero, a pesquisa, por exemplo, também indica a invisibilidade das mulheres e das pessoas transgênero, que são de 23,7% e 7,5%, respectivamente. Quanto ao grau de instrução, vale lembrar que temos um nível alto de analfabestismo funcional no país”, acrescenta.
Usuários de drogas em situação de rua
Quase metade, 41,7%, das pessoas que frequentam a cracolândia diariamente moram na rua há pelos menos cinco anos, segundo a pesquisa. Mais de 70% morava com a família antes de viver na rua.
Maria Angélica Comis alerta que as pessoas vão para rua por diversos motivos e não somente pelo uso de drogas. A região da cracolândia, nos arredores de Campos Elíseos, é o destino de grande parte das pessoas em situação de rua por ser uma área mais segura para elas.
“As pessoas vivem na rua por causa de transtornos emocionais e não necessariamente por conta do uso de drogas. Como a cracolândia está no centro da cidade, as pessoas acabam ficando muito tempo lá por ser uma das áreas mais seguras da cidade, pois muitas acabam sendo expulsas de suas comunidades”, sustenta.
Tráfico de drogas e violência policial
O estudo da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) indica que cada um dos usuários de drogas gasta, em média, R$ 192,5 por dia com o crack. Ao todo, mensalmente o tráfico arrecada R$ 9,7 milhões na região. O valor é maior do que o aplicado pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) na subprefeitura da Sé, onde a cracolândia está localizada. Por mês, em 2019, a prefeitura aplicou cerca de R$ 7,3 milhões na região.
O tráfico de drogas no local convive com a violência policial, que segundo especialistas ouvidos pelo Alma Preta não é eficaz para o combate à venda de entorpecentes. A primeira ação policial de 2020 na região aconteceu em 15 de janeiro após a Polícia Militar receber uma denúncia de tráfico de drogas. Testemunhas relataram que houve o uso de munição química como bombas de gás lacrimogêneo.
Maria Angélica Comis avalia que a situação da cracolândia é tratada pelo Estado como um problema de segurança pública em vez de saúde pública devido à especulação imobiliária na região e uma ideia de moralidade.
“O governo insiste na violência policial por não ter capacidade e nem vontade política de trabalhar de maneira articulada para as pessoas terem seus direitos respeitados. A imensa especulação imobiliária e o valor moral que permeia a sociedade e a vida dos usuários de drogas também afasta essa população dos cuidados de saúde pública”, complementa.