Além da expulsão de casas ao redor da Serra do Espinhaço, no Vale do Jequitinhonha (MG), os quilombolas coletores de flores da comunidade Mata dos Crioulos enfrentam mais entrave devido à construção do Parque Estadual do Rio Preto: a proibição de homenagear seus mortos no cemitério oficial da comunidade, que atualmente está sob restrições do Parque.
Com cerca de 100 famílias residentes, a manutenção da ancestralidade quilombola da região está sob ataque desde a instalação do Parque Estadual do Rio Preto sobreposto ao território tradicional, em 1994. Após a instalação do parque, as famílias que viviam nas elevações das serras passaram pela expulsão de suas casas, e tiveram que reconstruir a comunidade nas partes baixas da região.
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“Foi um processo muito doloroso. Lembro que um dia, policiais chegaram nas nossas casas e nos expulsaram da região nos informando que agora aquele lugar, que já tinha sido morada de gerações do nosso povo – descendentes de escravizados – agora se tornava um parque de proteção ambiental”, relembra a liderança quilombola Ronilda Santos.
Ronilda salienta que o processo de instalação do Parque foi feito sem nenhum tipo de consulta aos quilombolas que ali residiam. Aos poucos, a comunidade foi se realocando pelas redondezas do território principalmente por conta da principal atividade da comunidade: a coleta das flores nos campos das serras.
Origem e cemitério
O quilombo Mata dos Crioulos, segundo Ronilda, foi formado a partir de escravizados que eram subjugados em quatro grandes fazendas de coronéis, exploradores do rio Soberbo em busca de diamantes.
Os escravizados fugidos buscavam sua liberdade nas matas da região. Os mais velhos da comunidade relatam as fugas de parentes próximos, que foram escravizados nas fazendas e também dos que fugiam de outros lugares próximos para se refugiarem ali, fato que originou o próprio nome do lugar – Mata dos Crioulos.
Dentre as quatro fazendas em questão, a Fazenda do Curral é a única que ainda existe. O local, assim como todo o Parque Estadual do Rio Preto, é gerenciado pelo Instituto Estadual de Florestas – IEF, e é lá que estão enterrados os ancestrais da comunidade quilombola.
Ronilda pontua que quando era criança seu pai contava a história de grandes lideranças da luta abolicionista, figuras que estão enterradas no local que atualmente os quilombolas estão proibidos de entrar.
“Um cemitério é algo de muito respeito para uma comunidade quilombola. São pessoas que estão lá, são memórias da nossa luta. E o que nós queremos é cuidar do lugar para manter viva nossa história”, explica.
Para ela, é urgente a retomada do acesso pleno ao território também pela ressignificação do passado da comunidade.
Luta jurídica
A comunidade quilombola Mata dos Crioulos foi a principal responsável pela conservação da natureza em seu território, segundo documentos oficiais. No entanto, as Unidades de Conservação (UC) do Parque Estadual têm dito que são os verdadeiros responsáveis pela proteção do ambiente. Segundo a assessora jurídica da Terra de Direitos, Alessandra Jacobovski, é uma realidade triste e frequente a expropriação dos territórios tradicionais.
“Como o processo de regularização e garantia desses territórios é algo muito complexo e que se confronta ainda com a morosidade por parte do Estado, as comunidades se tornam alvo de invasões e ocupações por vários tipos de empreendimentos e particulares, como empreendimentos de mineração, monoculturas e no caso específico, a instalação de unidades de conservação”, comenta.
A advogada explica que no caso da comunidade Mata dos Crioulos foram vários os direitos violados, sendo o direito coletivo à terra e ao território tradicional o primeiro deles.
“Por consequência, outros direitos ficam comprometidos: o direito à alimentação, à moradia, à água, entre outros, o que pode ser sintetizado na violação do direito à reprodução física e cultural, o que inclui a restrição da prática da panha de flores sempre vivas e de acesso ao cemitério da comunidade”, avalia
Alessandra Jacobovski afirma que os próximos passos para garantir a retomada do território é entrar com uma ação junto ao Ministério Público Federal (MPF), que é o responsável por fiscalizar e proteger os direitos dos povos e comunidades tradicionais. Ela avalia que é possível pressionar para que o órgão dialogue e recomende ao Parque Estadual e Secretaria de Meio Ambiente a liberação da área tradicional.
“Outra medida que será tomada a médio e longo prazo seria a judicialização do caso, em vistas de garantir o território aos povos tradicionais, de forma temporária e permanente. Contudo, é preciso que exista condições estruturais e vontade política por parte do órgão”, finaliza a assessora jurídica Alessandra Jacobovski.
A reportagem procurou o parque para se posicionar sobre ao caso, mas até o momento não teve retorno.
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