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‘Aquele sonho de menina se tornou realidade’

Direto de Paris, a sócia e diretora da Alma Preta Elaine Silva, compartilha a experiência de cobrir as Olimpíadas e ver ao vivo a competição da ginástica artística com Rebeca Andrade e Simone Biles no pódio.
No pódio, da esquerda à direita, as ginastas Rebeca Andrade (Brasil), Simone Biles (EUA) e Jade Carey (EUA), após a final individual geral de ginástica artística, Paris, 3 de agosto de 2024

Foto: Wander Roberto/COB

4 de agosto de 2024

Paris – Quando eu era criança, minha família não tinha acesso aos canais fechados, mas a base mais óbvia de entretenimento para nós era a televisão. Quando chegavam as Olimpíadas, a gente parava para assistir. Lembro como a nossa família se reunia para ver as competições. A gente brincava e imitava os atletas. Nós sonhávamos em um dia ver aquilo ao vivo e o esporte que eu mais imaginava ver era a ginástica artística. Achava que aquilo era inalcançável porque é muito caro para nós, principalmente para pessoas negras — e eu sou uma mulher preta.

Na hora que decidimos fazer a cobertura, eu tinha pouca esperança de conseguir assistir ao vivo a ginástica artística. Quando soube que ia mesmo estar lá para ver, tive frio na barriga, fiquei ansiosa. Fiquei muito feliz e, ao mesmo tempo, preocupada para que tudo desse certo, para que eu não perdesse a hora, que nada acontecesse no caminho até a arena. É um senso de realização para mim. Pensei “de fato, estou nas Olimpíadas”. 

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Quando cheguei à arena, pensava tudo ao mesmo tempo, sem ordem. Pensava que meus irmãos e meu marido poderiam estar comigo assistindo. Imagina se o meu filho estivesse ali? É um misto de sentimentos, difícil de explicar.

A sócia e diretora da Alma Preta Elaine Silva cerra o punho direito em frente à Torre Eiffel, Paris, 25 de julho de 2024
A sócia e diretora da Alma Preta Elaine Silva cerra o punho direito em frente à Torre Eiffel, Paris, 25 de julho de 2024 (Solon Neto/Alma Preta)

É muito emocionante você sentir na pele e ver aquilo que as atletas estão sentindo, ver os detalhes, ver as estruturas gigantescas, a vibração da torcida. Ao mesmo tempo que senti vontade de vibrar, senti também uma paralisia. Quando vi aquilo tudo, fiquei sem palavras. É surreal, é uma energia fora do comum. Aquele sonho de menina se tornou realidade.

É incrível ver que aquele momento é único, são quatro anos de trabalho e preparo dos atletas que culminam em um instante diante dos seus olhos, mesmo que na derrota. Dá para sentir o peso nos ombros dos atletas apostando tudo ali, naquele momento.

Apesar disso, quando vi a Rebeca Andrade e a Simone Biles, elas pareciam diferentes. Elas estavam ali para competir, mas, além disso, elas estavam ali para dar um show, elas estavam brincando. Deu para sentir que elas estavam ali fazendo o que gostam. O mundo ainda não está preparado para entender o quão significativo é ver mulheres pretas nessa posição de destaque.

A ginasta Rebeca Andrade, após conquista da medalha de prata no salto, Paris, 3 de agosto de 2024.
A ginasta Rebeca Andrade, após conquista da medalha de prata no salto, Paris, 3 de agosto de 2024. (Wander Roberto/COB)

E eu me vi nelas, vi as semelhanças com a minha vida. Mentalmente, psicologicamente, eu também tenho que me preparar para situações que não são fáceis, mas tenho que dar o melhor de mim, porque não posso errar. Às vezes, a gente dá um passo e a partir dali qualquer movimento errado pode ser muito danoso, principalmente mulheres e homens negros.

Nessa comparação, também vi semelhanças no fato de que, tanto entre os jornalistas, quanto entre as competidoras na ginástica, ainda há poucas pessoas negras. Nesse sentido, essa cobertura é ainda mais emocionante para mim porque temos dezenas de pessoas da Alma Preta empenhadas nesse trabalho. Eu me emociono só de pensar que isso transformou vidas e trouxe sonhos para as pessoas que trabalham com a gente. Estar aqui é furar uma bolha. Há dois anos, brinquei em uma conversa sobre a possibilidade dessa cobertura. Hoje, conseguimos fazer isso virar realidade.

A sócia e diretora da Alma Preta Elaine e Silva e a gerente de redes sociais, Iacy Correia, checam informações durante cobertura das Olimpíadas, Paris, 25 de julho de 2024
A sócia e diretora da Alma Preta Elaine e Silva e a gerente de redes sociais, Iacy Correia, checam informações durante cobertura das Olimpíadas, Paris, 25 de julho de 2024 (Solon Neto/Alma Preta)

Para mim, cobrir as Olimpíadas não é simplesmente uma cobertura comum, é vencer uma barreira muito difícil. Porque você vê pessoas que têm muito mais dinheiro que você para fazer uma coisa muito maior. O que estamos fazendo é uma coisa mágica. Recebo mensagens de muitas pessoas dizendo que estão se sentindo representadas. A gente conseguiu estar aqui e trazer junto a nossa equipe que está no Brasil.

Sempre digo que quero mudar o mundo, mas se eu não conseguir isso, posso me esforçar para mudar o mundo ao meu redor, transformando vidas e dando esperança às pessoas no meu entorno conquistarem aquilo que querem.

Já trabalhei como assistente de pessoas que se orgulhavam de estar nas Olimpíadas como voluntárias e deixavam claro para mim que aquilo era algo inalcançável para alguém como eu. Hoje, estou aqui fazendo a cobertura dos Jogos, trabalhando por uma empresa da qual estou à frente. É um gosto diferente de vitória. Eu idealizei estar aqui e consegui. É como ganhar uma medalha.

  • Elaine Silva

    Possui formação em Administração de empresas e Gestão Financeira na UNIESP e Anhembi Morumbi, é responsável pela análise, gestão, controle contábil, planejamento estratégico de negócios, desenvolvimento institucional e captação de recursos para organizações e empresas. Fundadora da Black Adnetwork, Sócia Diretora da Alma Preta Jornalismo, Cofundadora do Instituto Fala, Conselheira Titular do Conselho Nacional Pela Igualdade Racial (CNPIR), Conselheira Consultiva nas organizações Tornavoz, Alafia, Sleeping Giants e DiversaCom. Diretora financeira nas empresas: Instituto Matizes, Diver.ssa e Nós Mulheres da Periferia.

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