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‘Manas’: o som do silêncio

O diretor, roteirista e líder da produtora Dois Pontos Filmes é convidado da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e traz suas impressões sobre as obras da mostra na Alma Preta
Print do teaser do filme "Manas"

Foto: Reprodução

2 de novembro de 2024

Na sinestesia sonora da Ilha do Marajó, a diretora Marianna Brennand encontra o elemento perfeito para impactar pelo que não é visto — e ela consegue com perfeição. Ao final, o som do silêncio nos atravessa intensamente. Tal qual sua protagonista, ao longo de quase toda a projeção, também nos encontramos sem muitas opções diante do que é imposto.

“Manas” narra a história de Tielle, uma jovem de 13 anos que vive na Ilha do Marajó (PA) com o pai, Marcílio, a mãe, Danielle, e três irmãos. Ela cultua a imagem de Claudinha, sua irmã mais velha, que teria partido para longe após “arrumar um homem bom” nas balsas que passam pela região.

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Vinda do campo dos documentários, a diretora sentiu-se incapaz de contar essa história nessa linguagem, pois colocar crianças e adolescentes para relatar suas vidas em um ambiente de exploração sexual representaria uma nova forma de violência contra eles. Ela, então, transpôs o projeto para a ficção, buscando uma linguagem ancorada no hiper-realismo.

Ao escolher atores experientes para o núcleo adulto, surgiu a oportunidade de formar um núcleo infantil, selecionado em testes com centenas de crianças da Região Metropolitana de Belém e de ilhas próximas. Jamilli Correa, intérprete de Tielle, nos hipnotiza com seu olhar, preenchendo o silêncio com nuances emocionantes. Pensar que a atriz vive naquela região e usa essa vivência como seu maior laboratório só reforça a força narrativa.

A fotografia é primorosa ao captar as geografias únicas da região, ao mesmo tempo em que transmite a agonia de algo tão sombrio imerso em uma natureza tão exuberante. A câmera, em ângulo baixo, revela nos rios uma tela dividida entre o que está fora da água e o medo do que se esconde submerso. Em uma cena-chave do filme, é no som que o terror da realidade se revela.

O filme traz uma denúncia clara, que poderia facilmente cair em uma abordagem quase jornalística ou documental. No entanto, a maestria técnica e o controle narrativo da diretora ao contar uma história tão delicada fazem com que o público saia em silêncio, compreendendo a força do que acabou de presenciar. ✬✬✬✬ (Muito bom)

Quem dirige:

A busca por contar e preservar histórias relevantes e invisibilizadas nos campos cultural e social é algo constante na trajetória de Marianna Brennand (Brasília, 1980). Após se formar em cinema na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, Marianna voltou ao Brasil com o projeto de realizar um documentário sobre o seu tio-avô Francisco,⁠ um artista brasileiro reconhecido mundialmente pela sua obra em cerâmica, erguida em cidades e no seu espaço, a Oficina Francisco Brennand.

Investindo em uma abordagem narrativa poética construída a partir dos diários de seu personagem, “Francisco Brennand” estreou em 2012 e recebeu os troféus de Melhor Documentário Brasileiro – Prêmio Itamaraty e Melhor Filme Brasileiro – Prêmio Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) na 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Ainda no campo documental, Marianna dirigiu “O Coco, a Roda, o Pnêu e o Farol” (2007, Canal Brasil), sobre a rica tradição musical do “coco de roda” no bairro de Amaro Branco, em Olinda (PE), e produziu “Danado de Bom” (2016, direção de Deby Brennand) — trabalho vencedor de quatro prêmios no CinePE, incluindo Melhor Filme —, que resgata a trajetória de João Silva, um dos maiores parceiros de Luiz Gonzaga. “Manas”(2024) marca a sua estreia na direção de longas-metragens de ficção e é fruto de uma pesquisa de dez anos a respeito do complexo e delicado tema de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes na Ilha do Marajó (PA). Fora do campo cinematográfico, Marianna segue trabalhando na preservação do legado da obra do seu tio-avô: ela assinou a edição dos quatro volumes do “Diário de Francisco Brennand” (2016, Inquietude) — vencedor do Prêmio Jabuti —, participou da idealização e edição do livro “No labirinto dos Sonhos: 50 Anos da Oficina Francisco Brennand” (2024, Oficina Francisco Brennand) e é a atual presidente do Conselho Deliberativo da Oficina Francisco Brennand, do qual também foi presidente da instituição entre 2019 e 2023.

  • Vitin Allencar, 34 anos, é um diretor e cineasta brasileiro. Como diretor de videoclipes é conhecido por seu trabalho inovador na indústria musical. Cofundador da produtora Dois Pontos, têm criado vídeos visualmente impactantes para artistas da cena musical brasileira, como Pabllo Vittar, Pocah e Gloria Groove. Seu trabalho tem sido reconhecido em várias listas de melhores videoclipes, e ele se destaca por sua capacidade de criar conteúdos visuais que capturam a atenção do público

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