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“O mercado do casamento não atende pessoas pretas”: casais relatam barreiras para realizar sonho

Em busca de trazer uma narrativa ancestral, noivos buscam pelo matrimônio afrocentrado como forma de resgatar a afetividade entre pessoas negras

Imagem enquadra um casal negro dançando

Foto: Foto: Nappy

23 de maio de 2022

“Todo mercado sempre deixa a desejar com as pessoas pretas, e com o mercado do casamento não seria diferente”. O desabafo da artesã e noiva Luz Marques é semelhante ao de muitos casais negros que encontram barreiras e desigualdades quando se trata de celebrar a união de pessoas pretas.

Segundo dados da Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta), o mercado de casamentos movimenta cerca de R$10 bilhões por ano, com média de gasto de R$50 mil a R$200 mil por casal. No entanto, será que a união de casais negros faz parte dessas estatísticas?

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A artesã Luz Marques e o companheiro, o poeta e musicista Vitor Navar, estão juntos há quatro anos e planejam oficializar a união desde os primeiros dois anos de relacionamento.

O casal, que mora junto no bairro de Luiz Anselmo, em Salvador, chegou a fazer um orçamento de, em média, R$10 mil para realizar o casamento, porém, as dificuldades financeiras fizeram com que eles adiassem o matrimônio e optassem por uma celebração mais intimista, que ainda está sendo planejada.

“O desafio, desde quando a gente pensou em celebrar, são os custos e falando sobre isso a gente decidiu fazer uma coisa mais simples, mas ainda não está com uma data estabelecida justamente por causa da questão financeira”, diz Luz Marques, que também trabalha como escritora e diretora teatral.

luz vitorLuz Marques e Vitor Navar estão juntos há quatro anos e planejam oficializar a união desde os primeiros dois anos de relacionamento | Foto: Arquivo Pessoal

Para Vitor Navar, o mercado do casamento é excludente com casais negros, tanto no atendimento quanto na representatividade. “O mercado do casamento não atende as pessoas pretas. A gente sabe que tudo está fundamentado na estrutura eurocêntrica. Eles não atendem aos nossos gostos, aos nossos costumes, ao nosso querer, então certamente eles não atendem uma celebração afrocêntrica”, comenta.

A situação é semelhante a da dançarina Gisele Soares e do escritor e poeta Rilton Júnior. Juntos há sete anos, o casal só conseguiu se casar neste ano após juntar uma renda e contar com o apoio financeiro de parceiros e amigos, por meio de uma campanha nas redes sociais.

gisele soares rilton jr siteGisele Soares e Rilton Júnior se casaram após lançar uma campanha nas redes sociais | Foto: @arcoirisfotografiass

Como artistas independentes, o casal aponta que as desigualdades dentro do mercado matrimonial também se dão pela falta de acessibilidade financeira para as pessoas negras, além da reprodução de uma estética matrimonial colonial.

“O mercado cerimonial não é pensado e preparado para atender pessoas pretas, no contexto geral, além do orçamento ser muito alto, a estética é totalmente padronizada na perspectiva colonial”, desabafa Gisele Soares.

‘Além de um ato de amor, é um ato político’

Em busca de trazer uma narrativa ancestral do casamento, os casais têm adotado a realização do matrimônio afrocentrado, baseado nos valores, costumes e celebrações da cultura africana.

Luz Marques e Vitor Navar planejam se casar com base em uma cosmovisão africana, com o uso de elementos naturais sem, necessariamente, ter uma relação religiosa.

“A nossa intenção é fazer uma celebração a esse modo um pouco mais relacionado às práticas espirituais, a elementos ancestrais que ligam à espiritualidade, não muito ligado à parte religiosa/teológica, mas da cosmovisão africana, trazendo elementos como folhas, incensos, benzedeiras… Enfim, tudo que venha desse universo da cosmovisão africana”, explica o noivo Vitor Navar.

Já o casamento de Gisele Soares e Rilton Júnior partiu da cultura e estética africana como forma de salvaguardar a identidade e história do povo preto. A cerimônia aconteceu no último sábado (21), no restaurante Roma Negra, no centro Histórico de Salvador.

Para Gisele Soares, o casamento afrocentrado vai para além de uma celebração, representa um ato político. “Além de ser um ato de amor, também pensamos que é um ato político buscando contrariar as estatísticas impostas pelo racismo que historicamente invisibiliza casais pretos no mercado matrimonial”, destaca a dançarina.

gisele rilton site“Além de ser um ato de amor, também pensamos que é um ato político buscando contrariar as estatísticas impostas pelo racismo” | Foto: @arcoirisfotografiass

O escritor Vitor Navar destaca que a formação de famílias pretas significa o rompimento com um sistema eurocêntrico que, historicamente, tenta negar a afetividade entre pessoas negras.

“A representação de um casamento afrocentrado vai contra toda essa maré do extermínio da família preta, da mulher preta, do homem preto, da criança preta, da imagem da família afrocentrada. A gente tem essa visão de que é um combate ao que eles vêm traçando até os dias de hoje para que nós, povo preto, não estejamos unidos”, afirma.

luz marques vitor navar“A representação de um casamento afrocentrado vai contra toda essa maré do extermínio da família preta” | Foto: Arquivo Pessoal

A sua companheira, Luz Marques, aponta a importância do casamento afrocentrado como forma de dar continuidade ao afeto preto na diáspora. “Um preto e uma preta se amando já é uma celebração”, finaliza a artesã.

Leia também: Afroafetividade: entre a idealização e o amor real

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