Ofensas por causa da cor da pele, discriminação por causa do cabelo e até ameaças. Na Bahia, denúncias de casos de racismo nas escolas têm sido frequentes. Recentemente, uma aula negra de 13 anos foi impedida de entrar na escola por causa do cabelo crespo. O caso aconteceu no Colégio Municipal da Polícia Militar Dr. João Paim, na cidade de São Sebastião do Passé, na Bahia, quando a estudante foi impedida de assistir aula porque o cabelo dela não foi considerado “adequado às regras da escola”.
Segundo a estudante, o cabelo dela estava preso em um coque, porém, não estava envolto em uma rede, como exige a escola militar. Com isso, ela foi barrada na porta do colégio e chegou a ouvir do inspetor que deveria “alisar” os fios.
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Em novembro do ano passado, alunos de uma escola particular em Salvador foram acusados de racismo após uma troca de mensagens de cunho racista feita em um grupo de WhatsApp. Na mensagem, os alunos chegam a dizer: “pretos, morram” e “baniram piada de negros, porém não sabem que os negros já são a piada”.
A escola Sartre – Escola SEB, localizada em uma área nobre da capital baiana, chegou a dizer que repudia comportamentos discriminatórios e preconceituosos e explicou que as mensagens de cunho racista ocorreram em um grupo com alunos de diversas escolas envolvidos na organização de uma festa particular e independente.
Ambos os casos são acompanhados pela Defensoria Pública do estado da Bahia (DPE-BA), que lançou a campanha “Ação Cidadã Infância sem Racismo nas escolas”, voltada à prevenção e enfrentamento do racismo dentro do ambiente escolar.
Para além do cumprimento das legislações que obrigam o ensino africano, indígena e afro-brasileiro nas instituições de ensino, por meio das leis 10.639/03 e 11.645/08, a iniciativa busca orientar e conscientizar a comunidade escolar contra práticas racistas que podem se reproduzir dentro das escolas, muitas vezes configuradas como bullying, como explica a defensora pública e integrante da Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Laissa Rocha.
“A escola é um equipamento social que está inserido em uma sociedade estruturalmente racista e, enquanto equipamento social, ela vai reproduzir práticas racistas das mais diversas formas. No ambiente escolar ocorrem várias situações de racismo e muitas delas não são sequer percebidas”, pontua a defensora.
Atualmente, quatro casos de racismo na escola são acompanhados pela DPE-BA, sendo um caso individual de um garoto negro que foi alvo de racismo por colegas da escola em um ambiente virtual de jogos e foi xingado de “preto igual a macaco”.
A defensora, que também está a frente desse caso, relata que o racismo contra crianças negras também é silenciado dentro do próprio sistema de justiça, que só atua no âmbito da punição ou da reparação, em situação de danos morais. “Nós entendemos que precisávamos atuar de maneira preventiva e também de visibilizar o enfrentamento ao racismo com recorte na infância”, afirma Laissa Rocha.
Um estudo realizado pela DPE-BA mostra que 90,4% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa na Bahia são negros, com mais da metade com idades entre 18 e 20 anos, sem emprego e com ensino fundamental incompleto, o que demonstra como o racismo e as desigualdades socioraciais também são um fator para a evasão escolar.
“Essa questão do racismo impacta diretamente na questão da evasão e no baixo rendimento escolar. Há várias pesquisas consolidadas que trazem à tona essa questão, fora os impactos na subjetividade dessas crianças e adolescentes negros, que muitas vezes perpassam e chegam à vida adulta”, pontua a especialista.
Como parte da campanha “Infância sem Racismo na Escola”, a DPE-BA também lançou o Selo Escola Antirracista, que visa reconhecer e auxiliar instituições de ensino que adotam e cumprem práticas antirracistas na educação, com a oferta de pluralidades do conhecimento e o rompimento com o ensino exclusivamente eurocêntrico. O selo é disponibilizado a todas as instituições de ensino que tenham interesse na iniciativa.
Para uma educação antirracista, é preciso que toda a comunidade escolar, inclusive as famílias sejam conscientizadas e aliadas ao enfrentamento ao racismo na infância, conforme destaca a defensora Laissa Rocha.
“A gente não tem como pensar em uma educação de crianças pensando em uma igualdade racial se a gente também não trabalha as famílias. Esse é um trabalho conjunto, que todos precisam se implicar: família, escola, representando a sociedade, e o Estado”, afirma a defensora.
“É uma forma que a gente encontrou de dar luz ao tema e mostrar para as pessoas que uma vez que casos de racismo aconteçam, há medidas que podem ser adotadas. Claro que a gente quer trabalhar com a prevenção, mas se o fato acontecer, precisam ser adotadas medidas para que ele deixe de acontecer, principalmente no ambiente escolar”, completa Laissa Rocha.
Mais informações sobre o Selo Antirracista e a ação cidadã podem ser conferidas no site da DPE-BA
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