O nazismo foi um movimento extremista que atingiu de forma implacável não somente os judeus, mas também uma parcela da pequena população negra alemã. Oriundos de países como Camarões, Togo, Tanzânia, Ruanda e Namíbia, essas pessoas, durante o Terceiro Reich, foram proibidas de estudar com pessoas brancas e impedidas de trabalhar, além de serem submetidas à esterilização forçada e levadas a campos de concentração para morrer.
Em 1933, a comunidade alemã negra ainda estava em formação. Na maioria das vezes, eram famílias de imigrantes e refugiados africanos com crianças nascidas na Alemanha, mas que ainda não tinham atingido a maioridade. Normalmente, o núcleo desta pequena comunidade era formado por um grupo de homens africanos e de suas mulheres alemãs.
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Estimativas mostram que entre 600 e 800 crianças nasceram de relacionamentos entre mulheres alemãs e soldados das tropas coloniais francesas – constituídos, em sua maioria, por africanos. Essas unidades militares compuseram parte das tropas de ocupação que Paris enviou à Renânia, uma área industrial no oeste da Alemanha, para impor o cumprimento do Tratado de Versalhes.
Negros eram considerados bastardos por Hitler
A história mostra que a comunidade negra alemã estava dispersa em todo o país, ligada, em muitos casos, a associações e organizações comunistas e antirracistas. No entanto, um local específico na Alemanha, chamado Renânia, deu origem a um termo pejorativo, utilizado principalmente para menosprezar afro-alemães: os bastardos da Renânia. O termo servia também para apontar as crianças filhas de soldados africanos e mulheres alemãs.
Denominados mestiços durante o nazismo, os negros sofriam com o racismo e o constante medo da miscigenação no país, fato que colocaria em risco a “pureza” da raça ariana. As crianças eram animalizadas e os soldados negros eram tratados como “predadores sexuais” e estupradores.
Em 1925, Hitler escreveu em Mein Kampf (Minha Luta, em português) o seguinte: “foram e são os judeus que estão trazendo os negros à Renânia sempre com os mesmos pensamentos secretos e objetivo claro de arruinar a odiada raça branca pela resultante ‘bastardização’”
Integralismo brasileiro e suas semelhanças com os movimentos nazifascistas europeus
O fascismo no Brasil se deu com a Ação Integralista Brasileira (AIB), principal organização, criada na década de 1930, logo após o Movimento Constitucionalista de 1932. Seu principal representante foi Plínio Salgado, que pregava o exacerbado militarismo e o nacionalismo.
As semelhanças com os grupos relacionados ao nazismo e ao facismo iam do uniforme às saudações. Tinham como símbolo a letra grega sigma, que ostentavam em bandeiras e braçadeiras, significando a somatória da população, integrada e unida em um Estado centralizado e militarizado. Além disso, o conjunto de símbolos contava ainda com a saudação efetuada entre os militantes, proferindo a palavra indígena ‘anauê’, semelhante ao ‘heil Hitler’ dos nazistas.
Enquanto doutrina, os integralistas defendiam a necessidade de organização política do Estado a partir do controle de um partido único e fortalecido, à semelhança do nazifascismo europeu. O nacionalismo tinha forte tendência à xenofobia e ao racismo. Nas manifestações de rua, os integralistas combatiam os membros da Aliança Nacional Libertadora (ANL), composta por várias forças políticas que buscavam mudanças sociais, inclusive os comunistas.
Essa postura radical levaria ainda os integralistas a apoiarem o governo de Vargas, principalmente depois do Estado Novo, devido à origem fascista dessa estrutura estatal e de sua aproximação com os países do Eixo, durante a II Guerra Mundial.
No entanto, os integralistas não conseguiram participar do Estado Novo, apesar de continuarem atuando e, frente a essa marginalização, tentaram derrubar Vargas em maio de 1938, num fracassado assalto ao Palácio da Guanabara, que ficou conhecido como Intentona Integralista. Depois desse episódio, Plínio Salgado foi exilado e o integralismo perdeu sua força, restando, no final do século XX e início do XXI, algumas de suas características em grupos neonazistas.
Grupos de apoio ao nazismo voltam a crescer
A Lei Federal nº 9459/2007 e a Lei Antirracismo (7.716, de 1989) determinam que é crime a apologia ao nazismo de qualquer gênero, estando o autor sujeito a pena de reclusão, além de multa. Apesar de condenável, os grupos neonazistas no Brasil estão em constante crescimento. De acordo com um mapa elaborado pela antropóloga Adriana Dias, pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as células de grupos neonazistas cresceram 270,6% no Brasil entre janeiro de 2019 e maio de 2021, e estão espalhadas por todo o país.
Discursos de ódio têm sido amparados pela falta de punição, segundo a antropóloga. O alvo desses grupos de apoio ao nazismo são as minorias. Adriana, que estuda o assunto desde 2002, explicou em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, que os neonazistas “começam sempre com o masculinismo, ou seja, eles têm um ódio ao feminino e, por isso, uma masculinidade tóxica. Eles têm antissemitismo, eles têm ódio a negro, eles têm ódio a LGBTQIAP+, ódio a nordestinos, ódio a imigrantes, negação do holocausto”, destaca a antropóloga.
Os dados pontuados no mapa elaborado pela pesquisadora Adriana Dias mostram ainda que existem cerca de 530 grupos de apoio ao nazismo no Brasil, com, pelo menos, 10 mil apoiadores.
De acordo com informações da Agência Senado, para a Safernet, que é uma é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, que reúne cientistas da computação, professores, pesquisadores e bacharéis em direito com a missão de defender e promover os direitos humanos na internet, a razão da explosão de casos relacionados ao nazismo a partir de 2019 está diretamente relacionada à eleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).
“É inegável que as reiteradas manifestações de ódio contra minorias por membros do governo Bolsonaro tem empoderado as células neonazistas no Brasil”, afirmou o órgão à Agência Senado. “Pessoas que até há algum tempo estavam escondidas e caladas agora começam a achar que têm espaço para cuspir o seu veneno. Isso é muito perigoso”, completa.
“É preciso chamar as coisas pelo nome”
O presidente Jair Bolsonaro já foi associado ao nazismo em várias ocasiões. Em julho de 2021, Bolsonaro recebeu no Palácio do Planalto, fora da agenda oficial, a deputada alemã Beatrix von Storch, neta de um ministro de Hitler, com quem se deixou fotografar. A foto foi divulgada nas redes sociais da parlamentar.
Em maio do ano passado, uma carta assinada por mais de 200 profissionais e intelectuais judeus foi divulgada, afirmando que o governo bolsonarista “tem fortes inclinações nazistas e fascistas”. O documento é assinado pela historiadora Lilian Schwarcz, pela cientista Natália Pasternak, pelo cineasta Silvio Tendler e pelos advogados Pedro Abramovay e Fábio Tofic Simantob, entre outros.
Os signatários apontam semelhanças entre práticas que identificam no governo Bolsonaro e táticas adotadas pelos regimes fascista e nazista. “É preciso chamar as coisas pelo nome. Perspectivas conspiratórias e antidemocráticas produzem, tal qual o fascismo e o nazismo, inimigos e aliados imaginários. Se não judeus, como o caso do Terceiro Reich, esquerdistas; se não ciganos, cientistas; se não comunistas, como na Itália fascista, feministas. A ideia de uma luta constante contra ameaças fantasmagóricas continua”, diz um trecho do documento.
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Bolsonaristas também já mostraram tendências nazistas
Em outros momentos, os aliados de Bolsonaro foram associados ao nazismo. No início de 2020, o até então secretário Especial de Cultura, Roberto Alvim, foi protagonista de mais um caso. Em seu discurso para a divulgação do Prêmio Nacional das Artes nas redes sociais, o ex-secretário utilizou trechos de uma fala de Joseph Goebbels, ministro de propaganda da Alemanha nazista.
No discurso copiado por Alvim, Goebbels dizia: “A arte alemã da próxima década será heróica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”.
Na adaptação, o ex-secretário – demitido após a repercussão do ocorrido – falou: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”.
Em um outro episódio, o presidente Bolsonaro e um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), tiveram a imagem associada à supremacia branca ao tomar um copo de leite puro durante uma transmissão ao vivo em seu perfil no Facebook, bem como fazem os neonazistas americanos, que adotaram o gesto como simbologia à supremacia branca e ao nazismo. O blogueiro Allan dos Santos, linha auxiliar do bolsonarismo nas redes sociais, repetiu o gesto em uma transmissão ao vivo do seu canal.