Após quase duas décadas de denúncia, as violações cometidas pelo Estado brasileiro no quilombo de Alcântara, no Maranhão, serão analisadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão internacional responsável por analisar, julgar e condenar violações de direitos humanos.
Ameaças, despejos e uma onda de violência atingem os quilombolas de Alcântara desde a construção do Centro de Lançamento Espacial da Força Aérea Brasileira, na década de 1980, período da Ditadura Militar no país. Desde então, famílias quilombolas têm sido expulsas da região e sofrido uma série de desapropriações de terras, falta de acesso às políticas públicas, agressões, mortes, além de impactos ao meio ambiente.
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Com o encaminhamento do caso para a Corte, a expectativa é que o Estado brasileiro seja condenado pela série de violações ocorridas há mais de 40 anos e que as mais de 100 comunidades quilombolas de Alcântara sejam reparadas.
“Trata-se de uma denúncia grave acerca do processo de implantação da Base Espacial ocorrida na década de 1980, cujas violações aos direitos humanos das comunidades jamais foram reparadas pelo Estado. A denúncia se arrasta por mais de 20 anos na CIDH. A subida desse caso pra Corte Interamericana, significa dizer que o Estado brasileiro poderá ser efetivamente condenado pelas violações perpetradas contra as comunidades, diz Danilo Serejo, cientista político e membro do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE).
Localizado no litoral do Maranhão, o município de Alcântara é considerado um dos maiores territórios quilombolas do país. Estima-se que mais de três mil famílias remanescentes vivem na região. Apesar da predominância quilombola nos 78 mil hectares do município, o processo de titulação da área está parado há mais de 15 anos e as comunidades ainda seguem sob constante ameaça, sobretudo após a assinatura do Acordo de Salvaguarda Tecnológicas (AST) entre o governo Bolsonaro e o governo Trump, em 2019, que permite o uso comercial da Base Aérea de Alcântara.
Sobre a situação das comunidades quilombolas, Serejo analisa que pouco foi mudado em comparação com os governo anteriores, mas ressalta que a assinatura do AST pelo governo Bolsonaro agravou as tensões em relação ao despejo dos quilombolas, considerando que trouxe ameaças de novos remanejamentos das comunidades.
Além de ser um território estratégico para o lançamento de satélites, o município de Alcântara também é alvo da especulação imobiliária e de grileiros, que põem em risco a permanência dos quilombolas na região. Dados do Centro de Documentação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam que o Maranhão liderou o número de assassinatos de quilombolas em 2021.
Ainda segundo o levantamento, até novembro de 2021, houve um aumento de 30% nos assassinatos em conflitos no campo comparado com todo o ano de 2020.
“Esses dados revelam que na verdade não existem políticas efetivas de proteção dessas Comunidades. No Maranhão, órgãos e autoridades do governo têm adotado uma política de necroproteção. Ou seja, é mais fácil cuidar dos nossos corpos mortos do que adotar políticas efetivas de proteção. Paralelo isso, há uma flexibilização da legislação estadual que tem favorecido o desmatamento e ataques a nossas comunidades e lideranças”, finaliza Serejo.