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Quilombolas denunciam ameaça de despejo para construção de estação de esgoto

Comunidade denuncia uma série de violações praticadas pela prefeitura e Barcarena, no Pará, têm adotado há mais de 40 anos; Comunidade também aponta falta de assistência sanitária e asfáltica

Texto: Dindara Ribeiro | Edição: Lenne Ferreira | Foto: Divulgação/Rodrigo Chipp

Quilombolas denunciam ameça de despejo

5 de outubro de 2021

Ao menos sete famílias quilombolas da comunidade Sítio Conceição, em Barcarena, cidade no nordeste do Pará, denunciam que vêm sofrendo ameaças de despejo por parte da prefeitura da cidade para a instalação de uma estação de tratamento de esgoto. Além das ameaças, os moradores reclamam que não foram consultados sobre a construção e apontam que a prefeitura entrou com o processo na justiça sem mencionar que o território é reconhecido como comunidade quilombola pela Fundação Palmares desde 2016 e está em processo de titulação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Tudo começou quando, no dia 27 de setembro, a 1ª Vara Federal Cível e Empresarial da Comarca de Barcarena deu um parecer favorável ao pedido da prefeitura do município e estabeleceu um prazo de 48h para a desocupação das famílias quilombolas. Segundo os moradores, o processo judicial também descumpre determinações federais pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como a suspensão de tramitação de processos que tenha risco de reintegração de posse de comunidades quilombolas e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que suspende ordens ou medidas judiciais de desocupação de áreas que já estavam habitadas antes da pandemia da covid-19, em março de 2020.

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No entanto, as mais de 200 famílias têm resistido e acusam a prefeitura de beneficiar empreendimentos dentro dos territórios reconhecidos como dos povos originários, como contou o líder comunitário Roberto Chipp à Alma Preta Jornalismo.

“A política de regulação fundiária hoje em relação a questão territorial de Barcarena, é voltada somente pra dar cada vez mais espaço para novos empreendimentos em Barcarena. Somamos seis comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares, e o município e os agentes que promovem o “tal desenvolvimento” insistem em negar nossa existência, sem falar nas diversas comunidades tradicionais que não são consideradas e são obrigadas a fazer o jogo do governo municipal”, afirmou Roberto.

Leia também: STF reconhece omissão do governo Bolsonaro na proteção dos quilombolas

Chipp também denuncia que a comunidade convive com total abandono, sem assistência asfáltica e sanitária, já que um esgoto, aberto pela prefeitura, corre na região, causando riscos à saúde da população local. De acordo com a liderança, um pedido de vistoria chegou a ser feito para a Secretaria de Infraestrutura, no entanto, o serviço nunca foi realizado.

quilombo ba insideComunidade denuncia falta de assistência asfáltica e de saneamento | Foto: Divulgação/Rodrigo Chipp

De acordo com o líder comunitário, a estação de tratamento de esgoto é um projeto que existe desde 1980, da extinta Companhia de Desenvolvimento de Barcarena (CODEBAR), e nunca chegou a ser ativado. “Era essa estação que a Prefeitura pretendia ativar sem comunicar a nosso quilombo, aí impedimos, eles entraram com essa ação judicial [para a desocupação das terras]”, explica.

Violações se prolongam por mais de 40 anos

Não é de hoje que a comunidade enfrenta violações do território pela prefeitura da cidade. Em janeiro do ano passado, o órgão municipal iniciou a construção de um muro que cercou 80% da área do quilombo para a construção de um parque natural. Com as obras, famílias ficaram impedidas de acessar as áreas florestais e o Rio Murucupi, que corta a comunidade e faz parte da subsistência das famílias. Na década de 80, famílias foram obrigadas a deixar o território devido ao processo de urbanização realizada pela Companhia de Desenvolvimento de Barcarena (CODEBAR) e Companhia de Desenvolvimento Industrial (CDI13), agora representadas pela Superintendência do Patrimônio da União (SPU). Atualmente, o local tem sido alvo da especulação imobiliária por estar localizado em uma região transformada em urbana.

“Estamos numa luta sem previsão de fim, a medidas que avançamos somos mais penalizados, pois, sabemos que quando alcançamos nossos direitos, nos tornamos os alvos principais. Em resumo, estamos remando contra a maré na luta pela nossa re-existência no município de Barcarena”, completa Rodrigo Chipp.

‘Ausência de políticas públicas é uma tentativa de forçar a retirada dos quilombolas’

À Alma Preta, Selma Correa, assessora jurídica da Terra de Direitos e representante da comunidade, disse que as famílias seguem no local, mas estão apreensivas diante da ordem de despejo. Ela conta que entrou com um pedido para recorrer da decisão judicial, mas ainda não teve retorno.

“Temos uma violação muito nítida, pois a decisão contraria o posicionamento do STF e desconsidera a situação da comunidade quilombola. Inclusive, na própria petição, o município não faz referência de que se trata de um território quilombola, se esquivando -mais uma vez- de reconhecer as famílias que moram lá”.

Selma também aponta que, até o momento, a prefeitura não forneceu nenhum tipo de assistência para as famílias afetadas. Para ela, a falta de políticas públicas também faz parte de um abandono estratégico por parte da gestão municipal.

“Vemos que essa ausência de políticas públicas é uma tentativa de forçar a retirada das comunidades quilombolas daquele local. Além de ter essa violação de não reconhecer a comunidade juridicamente, também é questão de não dar a elas dignidade”.

A representante da comunidade diz que a demora para a concessão da titulação pelo Incra fragiliza a garantia de direitos da comunidade. Em 2016, o Ministério Público Federal (MPF) pediu urgência para que a Justiça emitisse uma determinação para o Incra instaurar processos de regularização de quatro comunidades quilombolas em Barcarena, incluindo o Sítio Conceição. As ações deveriam ser cumpridas em um prazo de três anos e um mês, porém, até agora a titulação não foi concedida.

“Isso acaba afetando essa questão que a comunidade está passando pela ausência de reconhecimento enquanto comunidade quilombola, mas também pela falta do reconhecimento jurídico para complementar a permanência da comunidade e pela garantia de direitos básicos”.

A Alma Preta procurou a prefeitura de Barcarena e questionou quais foram os critérios adotados para a abertura do processo, se houve diálogo com os moradores do quilombo do Sítio Conceição e se existe algum tipo de suporte para as famílias caso elas sejam despejadas, mas não obtivemos retorno até o fechamento da matéria.

  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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