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Outubro Rosa: saúde mental também é importante para lidar com o câncer de mama

A Alma Preta Jornalismo conversou com quatro psicólogas que apontaram a relevância do processo terapêutico para lidar com o diagnóstico; acolhimento, redes de apoio e compreensão sobre o papel social de pacientes negras e periféricas são essenciais para o tratamento, segundo elas

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Reprodução/Freepik

Imagem representa o Outubro Rosa, mês de conscientização e prevenção do câncer de mama

4 de outubro de 2021

O Outubro Rosa é marcado pela conscientização do câncer de mama e também serve para destacar a importância da prevenção da doença. No caso das mulheres negras, quando descoberto o diagnóstico, a probabilidade de sobrevivência é 10% menor que das mulheres brancas, como já noticiado pela Alma Preta Jornalismo. Contudo, para além do tratamento físico da doença, um ponto chama atenção: a saúde mental dessas mulheres.

A psicóloga Beatriz Campos, do Grupo Reinserir, ressalta que a população negra periférica está presa em diversos “desertos de acessos”. Sendo assim, segundo ela, a sobrevivência se faz dentro das possibilidades construídas. A especialista salienta que mulheres negras periféricas são, em grande maioria, as responsáveis pela subsistência do núcleo familiar. Logo, sua individualidade e cuidado se fazem inexistentes, tanto pelos acessos negligenciados, quanto pela sobrecarga de responsabilidades.

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“O impacto da notícia do câncer de mama desestabiliza toda a dinâmica de construção e cuidado da família. Ao ter que priorizar a saúde e a sobrevivência com base no tempo que lhe resta, a mulher passa a vivenciar um sentido de frustração e ineficiência, se sentindo culpada por tal, mesmo estando à margem social de cuidado, segurança e visibilidade”, pondera a especialista, que lidou com o diagnóstico na família por vários anos.

Para a psicóloga Carolina Vieira de Souza, o processo terapêutico, portanto, deve ser aliado ao tratamento do câncer de mama em mulheres negras. Ela avalia que, apesar de a psicoterapia não ser algo acessível em bairros periféricos, o cuidado com a saúde mental “torna-se necessário para que mulheres que estão passando por essa situação possuam mecanismos de enfrentamentos através da autoaceitação e autoconhecimento”, diz.

Carolina ainda ressalta que os profissionais que lidam com a saúde mental precisam fazer o exercício de se colocar no lugar dessa mulher negra e periférica, para conseguir efetivamente auxiliá-la na jornada de recuperação do câncer de mama.

“É importante buscar compreender o que aquele momento representa para ela e, apesar do cenário, auxiliar para uma reestruturação emocional saudável, preservando sempre o bem estar e a qualidade de vida”, pontua.

Necessidades em quilombos e áreas rurais

A psicóloga Ana Paula Evangelista, que atuou por oito anos em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) nos municípios de Barra do Turvo e Iporanga, região do Vale do Ribeira (SP), destaca que a procura espontânea das mulheres negras, de áreas rurais e comunidades quilombolas, é menor em relação à procura por mulheres moradoras das áreas urbanas.

“No entanto, quando a oferta era de rodas de conversa, palestras e outras propostas ativas, assim como a abordagem e o encaminhamento pela Equipe de Saúde da Família, a manifestação de sofrimento emocional revelava uma demanda maior. A demora em buscar ajuda nos serviços de saúde muitas vezes era justificada pela necessidade de ‘suportar’, tal qual como as outras mulheres de referência, como mães, tias, avós”, relembra.

Segundo Ana, as queixas muitas vezes envolviam relatos de uma infância marcada pela necessidade de assumir serviços domésticos, cuidados de irmãos mais novos com frequência, relacionamentos abusivos, traumas decorrentes de gravidez na adolescência, com apresentação de sintomas de ansiedade e depressão frequentes. Para a psicóloga, esses fatos aliados ao câncer de mama acabam por demandar urgência no tratamento da saúde mental dessas mulheres.

“O câncer de mama afeta muito além das preocupações inerentes ao processo de saúde-doença. Muitas vezes essas mulheres já estão sobrecarregadas com tarefas de provisão financeira, cuidado de filhos e familiares, e encontram pouca rede de apoio para o autocuidado. Diante de relacionamentos frequentemente abusivos, com histórico de traições, há também o medo de ser abandonada, seja física ou emocionalmente pelo parceiro”, diz Ana Paula.

A psicóloga ainda destaca que é no acolhimento psicológico que essa mulher encontra espaço para falar sobre seus medos e suas dores, e pode se sentir como um alguém com o direito de ter seus sentimentos e emoções valorizados, além de olhar para si mesma e reconhecer suas qualidades e papel social, junto ao resgate da autoestima.

“As rodas de conversa e as terapias comunitárias permitem que essa mulher se identifique com outras mulheres, reconhecendo que suas dificuldades não são decorrentes de fraquezas e, sim, das condições e relações existentes, além de auxiliar a formação de redes”, pondera.

Acolhimento

“Nós, como profissionais, devemos ter cuidado e delicadeza com o moralismo. A psicologia precisa olhar com carinho, afeto, delicadeza e muito cuidado para as pessoas que já são violentadas diariamente pelo sistema, pois a segurança é a grande falta que buscamos sanar ou lidar, carecemos de segurança para respirar, se organizar e viver”, destaca Beatriz Campos.

A terapeuta do Reinserir completa ao dizer que para a paciente com câncer de mama é essencial transformar o espaço da psicoterapia em um ambiente seguro, para que essa mulher externalize toda a desorganização provocada por tal notícia.

A psicóloga Débora Bonfim, que atende no Rio de Janeiro com a abordagem Gestalt, explica que, no primeiro momento, a mulher negra com câncer de mama recebe o susto, portanto, é essencial que o profissional que cuida da saúde mental dessa paciente acolha esses sentimentos.

“Eu sempre vou falar sobre o acolhimento, pois é o cerne da nossa profissão. Quando se transmite carinho e segurança, mesmo em casos que o câncer de mama não tem mais jeito, é possível levar esperança e conforto”, comenta.

Débora diz que em casos graves da doença, o humor dessa paciente costuma variar muito, então, cabe ao psicólogo estabilizar o estado dentro do que é possível. Já na fase terminal do câncer de mama, é necessário aplicar cuidados paliativos às mulheres.

“É buscar a melhoria da qualidade de vida dessa paciente. Trabalhar relações familiares, desejos a serem realizados e andar em conjunto com a equipe multidisciplinar de saúde, a fim de conhecer as condições clínicas dessa pessoa. Mas sempre sabendo o que é possível. Às vezes, são desejos simples que podem ser resgatados nesse momento”, explica.

Redes de apoio

“Torna-se crucial saber que você tem alguém para contar e prestar o devido apoio. Além da rede familiar e amigos, grupos reflexivos, rodas de conversa tem um auxílio significativo no tratamento do câncer de mama”, ressalta Carolina Vieira.

No entanto, Ana Evangelista destaca que a construção da rede de apoio para mulheres negras com câncer de mama normalmente precisa se tornar uma exigência, levando em consideração o histórico de que essas pacientes “são fortes e aguentam tudo”.

“A rede precisa ser exigida, além de construída. Para uma mulher acostumada a dar conta de tudo é difícil solicitar apoio e é preciso trabalhar essa construção para que haja aceitação dessa possibilidade não como derrota ou falha dela, mas como um direito”, avalia.

Débora Bonfim pontua que é imprescindível eliminar o mito de que a mulher negra não sente tanta dor como as mulheres brancas. Para ela, é violento o que isso causa em pacientes com câncer de mama, pois passam a acreditar que não merecem esse tipo de cuidado.

“A terapia nesse caso vai ter um papel muito importante em auxiliar essa mulher a se perceber, entrar em contato com a dor, com sentimentos, entender o momento de vida. E, através dessa percepção, a mulher negra vai se permitir sentir, ser cuidada e entrar em contato com a sua humanidade. Há força e beleza nesse processo, e o que traz isso é a rede de apoio em um momento de fragilidade”, coloca.

Leia também: ‘Mulheres como você precisam ser fortes’, diz psiquiatra da Unifesp à paciente negra

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