As consequências geradas pelas mudanças climáticas já são uma realidade. O Brasil, atualmente, vive uma crise hídrica e energética em que as causas têm raízes também no aquecimento global e no desmatamento da Amazônia. A escassez de chuva, a energia mais cara e as mudanças repentinas no clima são sintomas sentidos por todos.
Um estudo da Nasa apontou que 2016 e 2019 foram os anos mais quentes da história. Essas transformações no clima, ocasionadas pelo aumento gradual da temperatura da Terra, são as chamadas mudanças climáticas, que são parte das consequências geradas por interferências humanas no planeta.
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De acordo com o relatório Perfil dos Municípios Brasileiros, lançado em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2.706 municípios (48,6%) tiveram secas, 1.729 (31%) tiveram alagamentos e 1.590 (28,5%) foram atingidos por enxurradas ou inundações bruscas, entre 2013 e 2017.
Já é indiscutível que a participação humana tem impactado as mudanças no clima e tornado os fenômenos climáticos extremos mais frequentes, conforme o que foi publicado no último relatório do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Secas, chuvas, incêndios, degelo no Ártico, entre outros eventos climáticos intensos já são presenciados em vários locais do mundo e estão diretamente relacionados a essas mudanças climáticas.
“A gente tem que entender primeiro que o meio ambiente não está relacionado somente à natureza, só à questão de rio, floresta e mar. O meio ambiente é o todo, são as esferas ecológicas e sociais, e como todas elas interagem no meio disso tudo. Tudo o que acontece na natureza acaba afetando totalmente os seres humanos”, explica Josué Dias, gerente de comunicação na Ambiafro, projeto colaborativo que produz material sobre o meio ambiente focado nas demandas e nas realidades da população negra, periférica e vulnerável.
Racismo e desigualdades sociais atrelados às questões climáticas
Apesar de os efeitos das mudanças já serem presenciados de forma ampla por todos, alguns indivíduos, povos e comunidades sentem mais essas consequências. O racismo ambiental, por exemplo, é um dos fatores responsáveis por colocar determinadas populações, como as quilombolas, indígenas, moradores de favelas e periferias, em maior risco.
“A crise climática vem associada a diversos fatores e um deles está muito ligado à saúde, porque, com o racismo ambiental, pessoas pretas acabam ficando em locais mais marginalizados, sem muitos cuidados ambientais, sem saneamento básico, sem uma arborização adequada e mais expostos a doenças”, relata a engenheira ambiental e ativista por justiça climática, racial e de gênero Isvilaine Silva. Ela também é fundadora do Ambientalking, iniciativa que visa racializar as pautas socioambientais por meio de informações e fomento de diálogo.
O ativista climático Paulo Galvão em meio a uma ação sobre destruição da natureza por queimadas em Alter do Chão/PA | Foto: Arquivo pessoal – Paulo Galvão
O ativista climático Paulo Galvão é morador de Alter do Chão, no município de Santarém, no Pará, além de ser um indígena em retomada, ou seja, ter nascido na cidade e, atualmente, estar em busca da identidade indígena. Ele conta que a região em que ele vive é constantemente afetada por problemas desencadeados pelo agronegócio, grilagem de terras, desmatamento, garimpo ilegal e propostas de desenvolvimento que desconsideram as populações locais.
Segundo Paulo, falta de água, calor extremo, secas e cheias intensas, além de falta de alimento, são alguns dos impactos já sentidos na região de Santarém e que são derivados das mudanças no clima em intersecção com todas as outras adversidades que a população local enfrenta. “Uma das coisas que eu mais ouço é que a temperatura mudou, estava muito quente no ano passado ou então em anos anteriores não era assim tão quente, que essa época já era pra estar mais fria ou não era pra estar chovendo tanto”, relata.
As inundações trazem fortes prejuízos para a comunidade, que são expulsas de seus territórios quando as casas são submersas, além de perderem suas plantações e criação de animais. “A gente teve esse ano a maior enchente aqui na região amazônica. Toda região sofreu com essa cheia intensa que foi muito forte em diversas regiões, principalmente em Manaus”, comenta Paulo.
Alterações climáticas também aumentam a violência
Segundo um relatório publicado pela revista Science, as mudanças climáticas também estão associadas ao aumento da violência e ao aumento de conflitos no convívio humano em várias partes do mundo. Violência doméstica, assaltos, estupros, tráfico de pessoas, assassinatos, crises na fronteira de países estão entre alguns dos crimes observados nesse contexto. Outro estudo conduzido pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) correlaciona a violência contra mulher com as mudanças climáticas e a degradação ambiental.
De acordo com Isvilaine Silva, a crise climática aumenta a violência, sobretudo sobre as mulheres e pessoas negras, porque, se um país está sofrendo com severas crises e desastres ambientais, as pessoas se veem na necessidade de migrar para outros lugares. “Elas acabam sofrendo todos os preconceitos por ser imigrante, por ser uma pessoa negra. Acabam chegando em um país em que não tem emprego. Mulheres acabam sendo violentadas durante esse caminho e, para comer, precisam também vender os seus corpos”, completa.
A escassez de recursos põe pressão sobre itens básicos, como água e alimentos, e pode levar algumas pessoas a se armarem, o que agrava mais ainda problemas que já existem na sociedade, como o machismo, o racismo, a LGBTfobia, entre outras violências e discriminações.
“A crise climática é um problema que acaba pegando todas as outras questões juntas, todas essas outras questões de desigualdade, e piorando elas cada vez mais. Então, não tem como falar de crise climática, sem falar de violência de gênero, sem falar de racismo, sem falar de quem está nessa linha de frente”, completa Isvilaine.
Necessidade de diversidade nos espaços de decisão
A inclusão e a diversidade dentro dos espaços de tomada de decisão sobre o enfrentamento contra as mudanças climáticas é uma das soluções apontadas para que a construção das políticas ambientais olhe com mais atenção para as populações mais vulneráveis.
“O sistema é racista quando a gente olha onde estão sendo tomadas as decisões para o enfrentamento da crise climática e não vê diversidade naquele campo. A gente sempre vê as mesmas pessoas”, comenta a engenheira ambiental e ativista Isvilaine.
Defender a pluralidade de vozes dentro dos espaços de decisão das políticas de enfrentamento à degradação ambiental e climática é uma das pautas de algumas organizações brasileiras focadas nessas questões. A Ambiafro, por exemplo, é uma proposta que visa colocar pessoas negras por dentro das questões climáticas de uma forma em que elas se sintam próximas do assunto e consigam entender o quanto suas vidas são afetadas. “O nosso trabalho enquanto Ambiafro é tentar fazer essas pessoas entenderem que é uma pauta urgente e que ela afeta todas as pessoas pretas tanto em contextos urbanos ou não”, comenta Josué Dias.
O Engajamundo é outra organização liderada por jovens engajados politicamente no enfrentamento a problemas socioambientais e está com um financiamento coletivo aberto para viabilizar a participação dos jovens voluntários na COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021). É uma oportunidade de levar diversidade de pessoas para participar desses espaços.
“A gente pensa muito que falar de meio ambiente é coisa pra branco, mas não é quando nós, pessoas pretas, somos as pessoas que mais sofrem com a crise climática. Então, a gente tem que vir também quebrando estereótipos, porque nós somos as pessoas que estamos na frente enfrentando a crise climática e sofrendo as consequências dessa crise”, finaliza Isvilaine, também articuladora do Engajamundo.