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Obra do Governo Federal ameaça moradia de mais de 200 famílias na Zona Sul do Recife

Sítio Dona Francisca, no Ibura, Zona Sul da capital pernambucana, tem 30 anos de fundação e abriga famílias de baixa renda; Ordem de despejo tem prazo para o dia 4 de maio, mas moradores não têm para onde ir  

Texto: Victor Lacerda / Edição: Lenne Ferreira / Imagem: Tom Cabral

Obra do Governo Federal ameaça moradia de mais de 200 famílias na Zona Sul do Recife

12 de março de 2021

Na Zona Sul do Recife, mais de 200 famílias vivem o drama de não saberem se terão moradia nos próximos meses. A comunidade do Sítio Santa Francisca, no Ibura, com quase 30 anos de existência, está ameaçada de ser removida por conta da obra da Ferrovia Transnordestina, uma iniciativa do Governo Federal. Com ordem de despejo encaminhada, os moradores alegam não contarem com perspectiva de indenização, encaminhamento para novos lares e, muito menos, com o apoio da gestão municipal ou estadual. 

Até o dia 4 de maio, data limite para os moradores deixarem o local, Dona Terezinha, 67, está apreensiva. Moradora há 28 anos do Sítio Santa Francisca, não esperava perder o único patrimônio que conseguiu construir ao longo da vida. Ela conta que o processo de desapropriação começou em 2011, quando uma equipe do Governo Federal prometeu cadastrar 95 famílias para serem amparadas pela retirada. A promessa, até então, era de uma possível indenização ou um acordo com a Prefeitura do Recife para a garantia de novos lares.

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“Aqui, nunca veio um Oficial de Justiça e, antes mesmo, nem todas as famílias tinham sido cadastradas, sempre faltou. Tomei conhecimento que minha casa vai ser uma das primeiras a serem derrubadas. Então, para mim, a Prefeitura do Recife poderia fazer alguma coisa, como um cadastro das famílias e o perfil das pessoas que irão ficar desabrigadas. Vemos a hora da máquina passar e não termos para onde ir. Sabemos que não somos lixos para serem jogados dessa forma”, desabafa a moradora. 

Segundo moradores, que organizaram um ato de rua em fevereiro passado, a remoção deve acontecer em breve, mas segue ignorada pela gestão municipal. Outro fator foi a falha de comunicação e aviso para as famílias, após o início do processo de cadastro, que acabou sendo uma constante. Dona Terezinha afirma ter tomado conhecimento por meio dos vizinhos, que estavam acompanhando os trâmites de forma virtual. 

O território onde está localizado o Sítio Santa Francisca começou a ser ocupado em 1994 e a obra da Ferrovia Transnordestina foi iniciada em 2011, quando entrou com solicitação de reintegração de posse. O processo foi adiado e, desde então, moradores lutam pela permanência. A obra é uma das maiores em execução no país e tem o objetivo de dinamizar a economia da região Nordeste e aumentar o fluxo de produção para o mercado internacional, via Governo Federal. Com 1.753 km de extensão em linha principal, a ferrovia passa por 81 municípios, começando no município de Eliseu Martins, no Piauí, em direção aos portos do Pecém, no Ceará, e na região de Suape, em Pernambuco. Para ativistas, sua importância não pode ser maior do que a vida das pessoas. 

Como forma de adiantar o processo de levantamento sobre os dados básicos e os perfis socioeconômicos dos habitantes da área, a própria população local junto à um equipe de apoio dos vereadores Ivan Moraes e Dani Portela, ambos do PSOL, estão fazendo uma espécie de censo. Todo o trabalho na tentativa de uma negociação que, por fim, não retire o direito à moradia. 

Um dos colaboradores é o morador conhecido como Alex Mandela, que conta com casa própria na região há apenas três anos e resolveu apoiar a causa junto a outros moradores, como Dona Terezinha. Para ele, a situação atual do Sítio Francisca vai de encontro com a violação dos direitos básicos destinados aos cidadãos brasileiros. “Minha expectativa é que esse processo pare e que todo mundo possa ficar aqui, nas suas casas. São vidas que foram nascidas e criadas aqui. Nosso sentimento é de frustração. Já fomos na Prefeitura do Recife três vezes e nada foi resolvido. Pela Constituição, temos que ter o direito à moradia, à segurança, ao lazer, à saúde. O que queremos é que isso saia do papel e vá para prática”, pontua. 

Para a vereadora Dani Portela, a moradia é direito social básico, assegurado pela constituição de 88, cujo texto diz  ser  de competência comum da União, estados e municípios, “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. A gestora, diante da situação, explica a forma de acompanhamento que a vereança pode tomar e as limitações neste auxílio.

“Enquanto suporte político, podemos auxiliar os moradores em suas articulações e a de pressionar o executivo para que dê uma resposta. A comunidade ficando ou sendo realocada, sabemos que este acompanhamento deve continuar, porque o despejo é o mais grave, mas não é o único problema enfrentado por essas famílias. A comunidade carece de saneamento básico e de equipamentos sociais como unidades de saúde, creches, praça, só para citar alguns exemplos. Na vereança, temos algumas limitações, como por exemplo, a de não poder criar projetos de lei que gerem custos ao executivo, isso dificulta, por exemplo, que a gente possa apresentar algo mais concreto através da câmara”, explica a vereadora. 

De acordo com Dani, até o momento a prefeitura não tomou parte do processo, alegando que por ser um terreno da União, essa competência seria Federal e não Municipal. “Nós defendemos que a prefeitura deve tomar parte no processo, buscando num primeiro momento o adiamento desse despejo pelo prazo que for necessário para que ela mesma apresente também alternativas às famílias que, tem como prioridade principal ficar e nós respeitamos o desejo dessas famílias, mas caso não possam ficar, que ao menos tenham para onde ir, com a construção de algum habitacional, por exemplo, onde não só seja garantido o teto, mas, por exemplo, os box para quem hoje vive do comércio que mantém na comunidade”, finaliza Portela.

Procurada pela a Alma Preta Jornalismo, a Secretaria de Habitação da Prefeitura do Recife, até o fechamento desta matéria, não apresentou posicionamento.

ATUALIZAÇÃO – 19/03/21

NOTA

“A Prefeitura do Recife, por meio das secretarias de Habitação e de Política Urbana e Licenciamento, vem tendo reuniões frequentes com uma comissão de moradores da comunidade Sítio Santa Francisca para discutir suas demandas. Mesmo ciente de que o pleito exposto pela população é de competência exclusiva do Governo Federal, tendo em vista de que o terreno onde vivem as famílias pertence à Transnordestina e que a União é a autora do pedido de reintegração de posse, a gestão municipal se prontificou em articular junto aos órgãos competentes uma solução pacífica, de modo a não colocar em risco as vidas das famílias, sobretudo nesse momento de pandemia, em que são exigidos protocolos sanitários de prevenção ao vírus. A Prefeitura reforça que está aberta ao diálogo para mediar conflitos de interesse da população”.

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