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13 de Maio, dia de sarau e resistência, não de Isabel

23 de maio de 2017

A livraria Suburbano Convicto, na Rua Treze de Maio, recebeu uma edição do Sarau em homenagem à resistência de negras e negros. Evento foi organizado em parceria da Revista Flaneur.

Texto e Foto / Pedro Borges

“Negro entoou, um canto de revolta pelos mares, no quilombo dos Palmares, onde se refugiou. Fora a luta dos Inconfidentes, pela quebra das correntes, nada adiantou. E de guerra em paz, de paz em guerra, todo povo dessa terra, quando pode cantar, canta de dor”. Foi com essa música, o “Canto das Três Raças” de Clara Nunes, que a edição do Sarau Suburbano, diante de uma lua iluminada e fria, se encerrou.

O sarau foi uma reunião quilombola, uma celebração de dor e afeto entre mulheres e homens, na sua maioria negros, acerca do dia 13 de Maio, data que ficou para a história brasileira como o dia em que a Princesa Isabel, filha de D. Pedro II, imperador do Brasil da época, assinou em 1888 a Lei Áurea. O regimento encerrava a escravidão no país.

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Para historiadores e ativistas, o culto à Princesa Isabel como símbolo de bondade com relação à comunidade negra é um apagamento da resistência dos afrodescendentes no Brasil, que aqui aconteceu por meio das revoltas e lutas quilombolas.

Esse silêncio também se faz presente na Rua Treze de Maio e na região da Bela Vista, locais que, para quem não conhece a história, até duvida que eram espaços da comunidade negra. As bandeiras italianas, a predominância da pele alva e do cabelo liso escondem um movimento de higienização e retirada das famílias negras desse território durante a primeira metade do Século XX.

Mas mesmo diante de uma língua portuguesa com sotaque italiano, as pretas marcas negras persistem. É no bairro onde reside a quadra da Escola de Samba Vai-Vai, uma das mais tradicionais do samba de São Paulo, e é na Rua Treze de Maio número 70, onde se encontra uma porta antiga, com uma pequena seta na parede indicando a “Livraria Suburbano Convicto”.

A livraria, organizada pelo poeta Alessandro Buzzo, é a única na cidade e talvez no Brasil toda dedicada à literatura periférica. Lá não é nada difícil, na verdade é muito fácil, encontrar referências à literatura negra e a produção artística de afro-brasileiros. Buzzo organiza no espaço, toda segunda-feira, um Sarau, único, ao lado da Cooperifa, a acontecer toda semana na cidade.

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Akins Kintê foi o outro poeta a apresentar o Sarau Suburbano Convicto sobre o 13 de Maio (Foto: Pedro Borges/Alma Preta)

Entre as estantes, chama a atenção um livro de capa azul, com um rosto ilustrado por campos de várzea, muitas árvores, pequenas casas, antenas parabólicas, e muitos outros símbolos das periferias de São Paulo. O autor da obra, Akins Kintê, é um dos mais proeminentes nomes da literatura negra no Brasil e autor do poema “13 de Maio”.

Em seus versos, Akins recorda a luta de resistência da comunidade negra, por meio de revoltas, lutas quilombolas, suicídios, para conseguir, depois de 388 anos de escravidão, a liberdade, não por conta da canetada de uma princesa, mas sim devido à bravura do povo da cor da noite.

Nada mais justo então do que Alessandro Buzzo e Akins Kintê apresentarem a edição do Sarau Suburbano Convicto no dia 13 de Maio. A partir das 15h, poetas, amantes da poesia, começaram a subir as escuras escadas que dão acesso à livraria, iluminada por belos desenhos de grafite e pelo brilho das obras.

As 30 pessoas que participaram do encontro se apertaram, entre um gole e outro de cerveja, entre os muitos símbolos do Palmeiras, CDs de Dexter, Sabotage, Mano Brown, entre as obras de Mel Duarte, Cuti, Carolina Maria de Jesus. As pessoas se apertaram no afeto, como um bom quilombo, pronto para lutar ou comemorar uma vitória.

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Entrada da livraria Suburbano Convicto (Foto: Pedro Borges/Alma Preta)

E como qualquer batalha, o que reinou foi o imprevisível. Depois de ler poesias de Alessandro Buzzo, Akins Kintê, trechos da escritora Conceição Evaristo, o sarau parecia encerrado. A chegada dos Poetas do Tietê deu mais fôlego aos amantes da arte, que apreciaram pai e filho declamarem juntos um poema em Kibundo, língua de Luanda, e finalizar o encontro com um canto em conjunto de “Identidade”, de Jorge Aragão, e o “Canto das 3 Raças”, de Clara Nunes.

A sensação que fica é que em 13 de Maio de 1888, depois de muita luta, a liberdade da comunidade negra foi alcançada. Mas a vitória não foi suficiente para retirar o gosto de luta e resistência que segue no corpo de todo afrodescendente. No Brasil, em 2012, 173.536 dos presos no país eram brancos e 295.242, negros. Neste mesmo ano, enquanto 9.667 brancos morreram por armas de fogo, outros 27.638 negros perderam a vida da mesma forma.

Para todos ali presentes, o 20 de Novembro parece ser mais representativo. O dia da morte do guerreiro Zumbi, líder do quilombo dos Palmares, onde a comunidade negra resistiu por cerca de 100 anos contra os senhores de engenho, é a data a ser lembrada e glorificada. Como disse Akins Kintê, “O 13 de Maio foi um cheque sem fundo”. As marcas da escravidão persistem.

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Desenho em homenagem a Alessandro Buzzo (Foto: Pedro Borges/Alma Preta)

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