Ação foi idealizada pela Ocupação Preta da USP, grupo formado por estudantes da universidade que defende os direitos e interesses da população negra.
Texto / Pedro Borges e Iacy Correia
Edição de Imagem / Vinicius de Almeida
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No dia 3 de Abril, a Ocupação Preta lançou nas redes sociais a campanha #MeuProfessorRacista. A ideia surgiu depois de uma manifestação dos estudantes durante a aula de uma professora do curso de Letras, no prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).
No dia 20 de março, durante a aula da disciplina de Teorias do Texto, o assunto de “marchinhas racistas” e o “racismo de Monteiro Lobato” foram debatidos em sala e ganharam tom de chacota por parte da professora. Na semana seguinte, no dia 27, uma aluna propôs uma reflexão sobre o tema, mas logo foi abafada aos gritos pela docente, de acordo com o relato dos alunos.
A aula do dia 3 de Abril, segunda-feira, contou com a participação dos estudantes da Ocupação Preta para discutir o racismo na sociedade brasileira. Durante o debate, a professora defendeu o não posicionamento racista de Monteiro Lobato, fato rebatido pelos estudantes. Eles explicaram que a obra do autor ajudou a perpetuar estereótipos racistas, como a personagem “Tia Anastácia” e o reforço do imaginário de servidão.
Em meio ao debate, a professora anunciou que “conhece negros que são mais negros do que os estudantes”, que “não era racista comparar a Tia Anastácia a uma macaca”, que os alunos não “sabem fazer discussão por falta de leitura”. Por fim, pediu para os seguranças do campus retirarem os estudantes da sala.
Depois da aula, os alunos decidiram criar a #MeuProfessorRacista para quebrar com o silêncio do racismo na universidade. “Ficamos felizes com o barulho da ação. É importante a gente projetar o debate dentro e fora da USP. A gente criou a tag com o objetivo de ecoar a luta antirracista dentro das salas de aulas. Quando se tem outras pessoas denunciando racismo de outros lugares para de se achar que houve um caso isolado”, afirmam os estudantes.
Elas e eles explicam que é preciso constranger atitudes e profissionais racistas para que haja avanço na luta. “Nós queremos nos sentir minimamente bem em sala de aula, igual aos alunos brancos. A ideia de que o racismo existe inclusive onde nos encontramos para adquirir formação é muito prejudicial”.
O Centro Acadêmico em nota direcionada ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV), espaço onde a professora pertence, também pediu um posicionamento da universidade. “Acreditamos que a Universidade de São Paulo, referência nacional e internacional na produção de conhecimento, não deva disseminar um discurso de ódio e segregação que alimenta a discriminação racial em nosso país, tão marcado historicamente pela desigualdade. Também nos estranha a postura da doutora que, ao ser confrontada, recorre a métodos que intimidam os estudantes e, sobretudo, não condiz com o espaço de diálogo e debate da Universidade”.
Última pesquisa divulgada pela Fuvest em 2015, acerca da diversidade racial dos ingressantes na USP, mostra a enorme desigualdade entre negros e brancos. Se comparados os 10 cursos mais concorridos da universidade, das 794 vagas, o número de brancos variava entre 71,4% (audiovisual) e 84,4% (arquitetura em São Carlos).
A equipe de reportagem do Alma Preta entrou em contato com a universidade e até o momento o fechamento deste texto, nenhuma manifestação pública foi feita pelo Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV).
Confira alguns relatos
Erica Malunguinho
#meuprofessorracista #minhaprofessoraracista foram muitxs…
Mas aqui, quero falar de uma bem recente. Na primeira aula do mestrado, enquanto a professora racista teclava no computador, ela contava a história de sua amiga que acabara de se divorciar…Ao final do relato ela revela o absurdo que era o rompimento desta relação de 30 anos e que segundo ela, formava um casal PERFEITO:
-Ela loira dos olhos azuis, ele loiro dos olhos verdes.
E, completou:
-A luz ideal!
Eu, com minha luz que não era “ideal” mas real, pensava sobre aquele semblante quatrocentão que tem o aval institucional para falar sobre as coisas da arte e do olhar.
Sarah Botelho
#meuProfessorRacista deixou todos os brancos da sala fazerem perguntas (por mais dissociada do tema da aula que elas fossem) e quando um dos poucos alunos negros da sala levantou para perguntar algo, o prof nem se quer deixou ele concluir a pergunta e já foi logo dizendo que aquilo não tinha nada a ver com a disciplina. O aluno abandonou o curso, pois não era a primeira vez que aquilo aconteceu com ele.
Natalia Munroe
#MeuProfessorRacista disse que meu futuro era varrer rua
Michele Pessoa
#MinhaProfessoraRacista Nunca repreendeu colegas de classe que chamavam outros de macaco (e eram muitos), mas chamava a atenção sempre que alguém reagia aos xingamentos.
Christian Santos
#minhaprofessoraracista Falava que meu cabelo parecia bombril. Me chamava de assolam.
Nadia Costa
#MinhaProfessoraRacista classifica “blacks” reais e “blacks” de mentira, se diz parda (sendo branca), e ainda sim diz que eu tomo muito sol pra ficar com essa cor.
Iaia Correia
#MeuProfessorRacista me disse que achava louvável a minha vontade de querer estudar e super apoiava , mas que o horário do Cursinho para o pessoal da faxina era outro…
Fábio Kabral
#MinhaProfessoraRacista na 5ª, 6ª e 7ª séries nunca me reconheceu como melhor aluno da turma, apesar de eu sempre tirar 10 em todas as suas provas. “Você é linda! Super inteligente! Espetacular!”, dizia ela sempre pra aluna branca quando entregava a ela a prova nota 9; quando eu ia receber o meu 10, ela sequer olhava na minha cara. Para ela, eu jamais existi. Essa professora me marcou por causa da diferença descarada de tratamento, mas no geral os demais professores não sabiam como reagir por eu tirar 10 em praticamente todas as provas. Não me lembro de um elogio; no máximo, sorrisos amarelados. Todos os outros alunos, brancos, eram minimamente elogiados quando tiravam mais de 8. Mas o meu 10 sempre foi invisível.
Thaís Oliversi
#MinhaProfessoraRacista falou que tenho que estudar Assistência Social, Pedagogia e não teatro. E a MESMA gritou comigo dizendo que eu era racista contra a raça branca dela. A sala? Amigos?
Todos de cabeça baixa enquanto eu chorava por não entender o motivo de mais uma branca dizer o que tenho que fazer, onde eu tenho que estar e como devo lutar.
Esse foi na ELT!
Juliana Silva Lourenço
#MinhaProfessoraRacista colocava todos os alunos negros em fila para fazer inspeção de piolhos, na frente dos alunos brancos que depois nos “apelidaram” de piolhentos
#MeuProfessorRacista em suas aulas de história da África e colonização do Brasil sempre dizia que os africanos eram incultos e fazia questão de enfatizar que os afro brasileiros eram descendentes de escravos
Hebe Valle
#MinhaProfessoraRacista disse que os piores racistas são os pretos e que ela, branca de olhos claros, sabe melhor que eu o que é racismo pois sofreu o mesmo ao entrar num restaurante japonês.
Gabriela Mendes Chaves
#minhaprofessoraracista me xingou porque eu fui convidada pra uma palestra e ela não. Puro recalque, pq ela sequer tinha lido o livro de referência do espaço!
Beijinho no ombro fofaaa
Elly Lê Bayó
#minhaprofessoraracistaSuspeitou imediatamente de mim, quando um brinquedo de uma colega sumiu na aula. Foi até minha carteira, puxou minha mochila, abriu e jogou tudo o que havia dentro dela no chão com força, quebrando alguns dos meus pertences. Ela se chamava Silvia Patricia. Eu tinha nove anos.#meuprofessorracista
Welington S. Andrade
#MinhaProfessoraRacista
Em meio o processo turbulento de impeachment da Dilma. Ptista nata, estava indignada que nós (negros) não se posicionava a favor da esquerda. Jogou em nossa cara certos favores que deveríamos agradecer. As famosas migalhas. Perguntou pra mim se nem direita nem esquerda qual seria? Falei que entre esquerda e direita, continuo sendo negro. Daí ela disse que não entende muito isso. Sem pensar nas consequências, respondi que talvez não entenda pq seja algo novo. A sala fez aqui silêncio que diz tudo.
Custou minha permanência na universidade.
#PucSp
Anin Urasse
#minhaprofessoraracista do curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal da Bahia levou a nossa turma numa escola especial para crianças com síndromes comuns e raras. No caminho, nos disse que nos preparássemos, que as crianças não eram crianças bonitas loiras dos olhos azuis, mas crianças feias. Tão feias, mas tão feias, que ela não sabia se era por causa da cor ou da síndrome.
Gabi Monteiro
#minhaprofessoraracista falando sobre escravidão disse que não era só desvantagem ser negrx. E pediu pra eu mostrar meus dentes pra sala. Disse que tinha inveja dos meus dentes pois eram bonitos como os de um cavalo. Eu tinha 9 anos.
Filipe Fontes
#Minhaprofessoraracista Disse que eu era o “mulato médio”, minha amiga menos retinta “mulata clara” e a outra mais retinta “mulata escura”!
Alline Caruzo Rosa
#MeuProfessorRacista
A vez que mais doeu não foi na escola convencional, foi na escola de ballet, na primeira escola de ballet que estudei, em Ribeirão Pires.
#MinhaProfessoraRacista pedia para clarear a minha pele (com maquiagem), para que durante as apresentações o grupo ser mais uniforme e eu não destoar do restante.
Brenda Maria
#MinhaProfessoraRacista é pós tudo o que se imagina em ritos, macumbas, bruxarias, rabo de arraia, mas quando delimitei Candomble e afrocentricidade como tema do meu possível mestrado, ela disse que era melhor eu escolher outro pois, como iniciada, eu não teria distanciamento pra poder falar sobre.
Luana Ribeiro
#MinhaProfessoraRacista
Quando os alunos me chamavam de macaca não fazia nada, me mandava pra secretaria e dizia que eu tinha que saber brincar 🙁
Roger Cipó
#meuprofessorracista não acreditou que era eu quando me encontrou no aeroporto de Congonhas. “Grande Roger, conseguiu sair de Diadema?”, ele indignado disse. Fiz questão de falar que voltava de uma palestra que dei em Salvador, e que peguei gosto por andar de avião, afinal, já foram mais de 5 viagens à Europa, e algumas tantas pelo Brasil, trabalhando.
Acho que aquele não foi um dia bom para ele, mas para mim, 2003 também não foi. Nunca foi!
Joice Berth
#meuprofessorRacista um dia em sala de aula, se dirigiu a uma aluna branca, de cabelos ondulados e perguntou se ela não se importava de envergonhar os pais, indo a escola sem pentear os cabelos. Ela respondeu que penteava sim e que aquela era a forma natural dos cabelos dela e que ela gostava.
Ele continuou dizendo que não podia ser, que ela não penteava e que deveria seguir o meu exemplo, que mesmo tendo o cabelo bem mais “duro” dava um jeito de “arrumar”(eu estava de tranças). Isso foi no primeiro ano do ensino médio, no Colégio Cedom.