Após um ebó coletivo em frente à Câmara Municipal de Salvador, povos de terreiro, povos originários, ambientalistas e ativistas do movimento negro conseguiram derrubar o projeto de lei 41/2021, que previa a alteração do nome “Dunas do Abaeté” para “Monte Santo Deus Proverá”. O PL tramitava na Casa Legislativa desde dezembro de 2021 e estava em avaliação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
O projeto de lei (PL) 411/2021 foi apresentado pelo vereador evangélico Isnard Araújo (PL), que também ocupa o cargo de 2° vice-presidente da Casa Legislativa e é pastor da Igreja Universal há mais de 30 anos. No texto, o PL pedia a alteração do nome de um dos trechos das Dunas para fazer uma referência a grupos evangélicos.
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Nesta terça-feira (15), lideranças religiosas realizaram um ato em frente à Casa Legislativa, como forma de pedir por respeito às tradições dos povos originários e pelos espaços que eles historicamente mantém uma relação de fé e respeito, como as Dunas do Abaeté, território originalmente ocupado por indígenas e quilombolas.
Com saudações a Exu, orixá que abre os caminhos, a manifestação trouxe como lema “O Abaeté tem donos ancestrais. Tirem as mãos de nossas Dunas!” e também pediu pela derrubada do projeto de urbanização das Dunas do Abaeté, anunciado na semana passada pelo prefeito Bruno Reis (DEM).
A intervenção prevê a construção de espaços de lazer e convivência e uma sede como forma de prestar suporte, conforto e maior segurança às atividades locais, dentre elas as religiosas. No entanto, para os povos de axé, o projeto é uma tentativa de apagamento histórico e faz parte de sucessivas tentativas de desmonte de espaços sagrados por parte governamental.
“A gente não costuma usar a palavra intolerância porque ela é muito branda, o que nós estamos enfrentando é uma onda de ódio religioso, uma onda de terrorismo religioso, quando você invade um espaço sagrado como um terreiro e destrói. […] Para nós, é o ódio que tenta aniquilar, é o ódio que tenta destruir e apagar uma história”, diz Lindinalva Di Paula, ekedi do terreiro Ilê Axé Omí Ewá e integrante da Frente Nacional Makota Valdina.
Para os povos originários, o ebó se mostra como uma luta coletiva dos povos indígenas e quilombolas contra a tentativa de destruição da subsistência dos povos originários e tradicionais.
“O Abaeté é o nosso território sagrado. É onde eu e o meu companheiro, Jacarandá, fazemos os nossos rituais e outras comunidades também. Quando você tenta apagar o nome Abaeté, você está tentando destruir a nossa identidade. É uma tentativa de apagamento da nossa identidade indígena e quilombola africana no território de Itapuã. Essa luta tem muito significado para nós porque representa a resistência do nosso povo”, diz Rita Capotira, liderança do povo de Itapuã e integrante do Fórum Permanente de Itapuã.
Nas redes sociais, a vereadora Maria Marighella (PT), que apoiou a causa, comemorou a decisão da derrubada do PL na Câmara.
“É uma vitória dos povos de terreiro, uma vitória do movimento negro de Salvador, uma vitória da cultura, dos movimentos ativistas ambientalistas, daqueles e daquelas que lutam pela preservação da memória, cultural, da paisagem natural e pelo direito à cidade”, disse a parlamentar.
O que dizia o PL 41/2021?
O projeto de lei 411/2021 foi apresentado na Câmara dos Vereadores de Salvador em dezembro de 2021 pelo vereador Isnard Araújo (PL), atual 2° vice-presidente da Câmara Municipal de Salvador. Pastor da Igreja Universal há mais de 30 anos, Isnard Araújo se define como conservador e tem como bandeiras “ações sociais, os valores familiares e evangélicos”, conforme consta na sua biografia no site da Câmara Municipal.
Segundo o político, o projeto de revitalização foi apresentado como forma de melhorar a estrutura e a segurança de grupos evangélicos que frequentam o local para proferir a sua fé. Sobre a mudança no nome, Isnard Araújo argumenta que seria uma medida de “oficialização”, já que, segundo o vereador, a região é popularmente conhecida como “Monte Santo”.
“As Dunas do Abaeté são um território muito extenso e seria uma identificação mais fácil para os encontros, já que a proposta se restringe a somente aquele trecho”, explica o vereador.
Com a repercussão, o vereador chegou a fazer uma publicação nas redes sociais para explicar alguns pontos do projeto. Na publicação, o parlamentar argumenta que o projeto não é uma afronta às religiões de matriz africana e que a intenção seria “melhorar um espaço que já é utilizado, sobretudo pelos evangélicos”.
À Alma Preta Jornlaismo, o vereador também explicou que o PL é dividido em duas partes: sendo uma de requalificação e estruturação do local, que, conforme o vereador, tem finalidade exclusivamente de revitalização, sem restrição religiosa; e a outra parte propõe a alteração do nome de um dos trechos das Dunas do Abaeté.
O projeto de revitalização é de responsabilidade da prefeitura de Salvador que, na última quinta-feira (10), anunciou que a região das Dunas do Abaeté vai contar com espaços de lazer e de atividades religiosas, entre outros equipamentos de convivência. Ao todo, o investimento é de cerca de cinco milhões e as obras serão realizadas pela Secretaria de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra).
Durante sessão ordinária nesta terça (15), o presidente da Câmara, Geraldo Júnior (MDB), informou que na próxima semana irá apresentar aos vereadores os detalhes do projeto de urbanização das Dunas do Abaeté.
Também informou aos vereadores que, por 15 dias, podendo ser prorrogado, a partir da data da publicação de um ato da Presidência, as comissões da Casa serão prorrogadas, uma vez que houve modificação do Regimento Interno que trata do assunto.
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