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Após invasão, empresa ironiza comunidade quilombola em ‘pedido de desculpas’

Segundo líder quilombola, a comunidade do Angelim II sofre há anos com os efeitos da exploração de eucalipto feita pela maior produtora de celulose do mundo

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Acervo Pessoal

A imagem mostra uma criança quilombola olhando para o maquinário da empresa Suzano Papel e Celulose, que trabalha com a monocultura de eucalipto

16 de junho de 2021

“Desculpem-me, quilombolas, por invadir seu território numa sexta-feira à noite com dez máquinas de corte de eucalipto sem qualquer aviso prévio e destruir essa grande área nas margens do córrego Angelim, o único que ainda resiste após meio século de devastação ambiental e humana iniciada com a Aracruz Celulose e mantida por nós até hoje”.

Foi assim, de forma irônica, que “se desculpou” a Suzano Papel e Celulose, maior corporação multinacional produtora de celulose do mundo, durante reunião na segunda-feira (14) com membros da comunidade quilombola do Angelim II. A empresa invadiu o território tradicional, localizado em Sapê do Norte, no Espírito Santo, com uma operação de corte de eucalipto na sexta-feira (11), de forma totalmente inesperada, levando medo e insegurança para os moradores.  

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A videoconferência para discutir a operação, solicitada pelo quilombo, contou com a presença da Defensoria Pública Estadual e da União (DPES e DPU), o Ministério Público Federal (MPF/ES), a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), bem como a Suzano Papel e Celulose, que afirmou estar “aberta ao diálogo”.

A comunidade é um dos mais de 30 quilombos dentro do Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, localizado entre os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, na região norte do estado. No quilombo moram, em média, 100 famílias, que ficaram assustadas com a entrada do maquinário da Suzano, temendo que a única nascente que resistiu na comunidade fosse prejudicada pela colheita. Apenas no sábado (12), pela manhã, os quilombolas conseguiram interromper a ação dos funcionários da empresa de monocultura e organizar sua proteção, acionando os órgãos de justiça.

“Tiraram as nossas placas e entraram com as máquinas derrubando tudo. Um absurdo. A gente entende que foi estratégico porque no final de semana a comunidade não teria acesso fácil aos órgãos públicos”, relata a líder quilombola Flávia dos Santos agricultora e secretária da Associação Quilombola de Produtores Orgânicos do Angelim II (Aquipoa).

As placas, das quais a liderança se refere, foram instaladas a partir de dezembro de 2020 como medida de proteção ao território. De acordo com Flávia, os avisos funcionam como uma defesa contra a entrada de empresas na comunidade quilombola, que é legalmente reconhecida. 

Placa com as informações do quilombo do Angelim II | Crédito: AquipoaPlaca com as informações do quilombo do Angelim II | Foto: Aquipoa

Colheita de eucalipto é suspensa

Para que a Suzano não tenha que parar com a colheita definitivamente e a comunidade quilombola não seja mais invadida ou violada, foi decidido na reunião a elaboração de um mapeamento da comunidade para delimitar o território. Até o dia 23 de junho, data em que esses documentos serão analisados, as atividades da Suzano estão suspensas na região.

Ainda no decorrer da videoconferência solicitada pela comunidade quilombola, Flávia destacou que os problemas com a Suzano existem há anos. Neste último conflito não houve notificação prévia, o que, segundo ela, representa desrespeito da empresa. Já a defesa da Suzano Papel e Celulose argumentou que não houve quebra de acordo.

“Não houve descumprimento do acordo, uma vez que não se trata de território judicializado. Os representantes da Suzano estavam disponíveis para contato com a comunidade, inclusive no dia da colheita do eucalipto, de forma que não seria necessário buscar auxílio das autoridades”, garante os representantes da empresa.

A Suzano concordou em suspender os trabalhos no momento, mas avisou que “a colheita irá ocorrer, de qualquer modo, ainda que a empresa tenha como objetivo conversar com a comunidade para organizar a atividade da melhor forma possível”.

Segundo Flávia, haverá enfrentamentos com a empresa, pois a comunidade quilombola há de fazer valer seu direito constitucional ao território e à vida digna. Diante desse posicionamento da líder quilombola, o Ministério Público destacou que a melhor saída seria colocar as questões de forma mais clara em uma nova reunião e a partir disso chegar a um acordo.

O quilombo do Angelim II exigiu, portanto, que as máquinas da Suzano não prejudiquem os processos de reflorestamento da comunidade, bem como a preservação de suas nascentes. A escassez de água é um problema que acomete os remanescentes desde sempre. O córrego Angelim é o único corpo d’água que ainda corre dentro do quilombo. Há anos, os moradores do Angelim II são abastecidos com carros-pipa enviados pela prefeitura e recorrem também a uma nascente localizada a 5 km de distância. 

O Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) avalia que a comunidade busca diálogo, mas “a empresa não tem colocado as informações de forma clara, sempre apresentando entraves que aumentam a insegurança dos quilombolas e as possibilidades de conflito”, disse. O Conselho, então, sugeriu que a Suzano passe a apresentar propostas mais reais, para garantir o direito dos quilombolas e que fizesse, ao menos, um compromisso de barrar todas as ações no território após as colheitas do eucalipto.

A Alma Preta Jornalismo procurou a Suzano Papel e Celulose para repercutir a denúncia apontada pela comunidade quilombola. Em nota, a empresa enviou a ata da reunião com os órgãos do poder público. O documento foi usado como fonte para a reportagem.

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