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Ativistas criticam patrocínio do Carrefour à premiação negra

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11 de janeiro de 2021

Menos de dois meses após assassinato de João Alberto numa loja de Porto Alegre, empresa aparece como patrocinadora master do Prêmio Pretos Empreendedores da CUFA e gera incômodo em alguns participantes que chegaram a pedir desvinculação

 Texto: Victor Lacerda / Edição: Pedro Borges / Imagem: Divulgação

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Uma parceria entre a Central Única das Favelas (CUFA) e o Carrefour para realização da primeira edição do Prêmio Pretos Empreendedores levantou críticas sobre as estratégias adotadas por empresas para forjar uma imagem antirracista. Ativistas negros usaram suas redes sociais para expressar repúdio e finalistas do concurso publicaram que desconheciam a vinculação do Prêmio com a empresa. Paralelamente à repercussão, mesmo após ter divulgado que a premiação dos vencedores aconteceria neste mês, a Cufa publicou o cancelamento de todos os eventos alegando avanço da pandemia pela COVID-19.

“A Central Única das Favelas, em reflexões com as orientações das autoridades, parceiros e participantes das suas ações, decidiu suspender seus eventos previstos para os meses de janeiro e fevereiro, por conta do avanço da segunda onda da Covid-19, que assola todo o país. Portanto, lamentamos informar que as aberturas das Taças das Favelas Rio e São Paulo estão adiadas por tempo indeterminado, bem como o Prêmio Pretos Empreendedores (prêmio que só foi viabilizado com parcerias, na última sexta, dia 8/1, e que aconteceria na cidade de São Paulo)”, comunica a nota. O texto ainda foi complementado com a informação de que o evento só voltará a acontecer em 2022.

Via redes sociais, no último domingo (10), a Central havia divulgado os ganhadores do prêmio respectivo à 2020 nas categorias de Cultura, Empreendedorismo, Esporte e Música, publicação que foi apagada logo em seguida. Para surpresa dos integrantes do evento, desde júri convidado até os próprios concorrentes, a arte de divulgação dos patrocinadores e apoiadores do evento, lançada juntamente com a lista dos premiados, havia a logomarca do Grupo Carrefour, representando o patrocinador master do evento.

A vinculação gerou questionamentos sobre o porquê a rede de supermercados estaria diretamente associada a um evento organizado por e destinado à população negra. A empresa vem sendo “cancelada” por ativistas e movimento negro e sociais depois de casos envolvendo violência e racismo em unidades do grupo. O último deles foi o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, ocorrido em uma das lojas do grupo Carrefour em Porto Alegre, no último dia 20 de novembro de 2020, Dia da Consciência Negra.

Em resposta às práticas dentro de suas unidades, o grupo anunciou um investimento de R$25 milhões no combate ao racismo, ainda no mês de novembro, e decidiu criar um comitê de diversidade e inclusão junto à empresa. A iniciativa não foi bem vista por associações como a Coalizão Negra por Direitos, que afirmou, em nota, que o grupo Carrefour, no lugar de combater o racismo estrutural, adota medidas que tentam minimizar reiteradas denúncias de violência racista em seus estabelecimentos.

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Material foi apagado das redes sociais da Cufa e Celso Athayde pediu desculpas por não ter informado patrocínios
(Divulgação)

Uma das primeiras a se posicionarem via rede social sobre a parceria CUFA/Carrefour foi a administradora e criadora de conteúdo sobre educação financeira para baixa renda, Nath Finanças. Finalista pelo estado do Rio do Janeiro, ela afirmou ainda não ter conhecimento sobre sua participação no evento.

“Oi @CUFA_Brasil, tudo bem? Eu não sabia que fui premiada e estava concorrendo. Peço por gentileza a retirada do meu nome entre os premiados. Eu não compactuo com marcas como o Carrefour que não se importa com as vidas pretas que são perdidas na própria instituição. Obrigada”, escreveu a administradora.

O mesmo pedido de dissociação do nome ao prêmio foi feito pelo dentista e CEO da AfroSaúde – iniciativa de soluções tecnológicas em serviços de saúde para a comunidade negra -, Arthur Igor Lima, em nota apresentada pela página de sua empresa. “Cientes da nossa responsabilidade como uma empresa antirracista, criada e feita para a comunidade negra, informamos à CUFA Brasil sobre a desistência do Prêmio Pretos Empreendedores, pelo qual fomos vencedores na etapa estadual da Bahia, na categoria “Masculino”, e estávamos concorrendo à final com outros empreendedores de todo o Brasil, cujos patrocinadores foram divulgados juntamente com a lista de finalistas”, comunicou.

A marca baiana de vestuário Dendezeiro, também alçada ao prêmio, aderiu ao posicionamento dos outros concorrentes e denunciou como irresponsabilidade a associação da rede de supermercados ao evento. “Todos os criadores foram pegos de surpresa, não haviam nomes ou associação em site, redes sociais e nem no próprio contato da CUFA conosco. Achamos de completa irresponsabilidade associar o nome de tantos criadores negros a uma marca tão delicada e problemática sem ao mínimo comunicar”, afirmou a marca, em publicação via rede social.

Ainda na manhã desta segunda-feira, a escritora e pesquisadora Winnie Bueno, em sua página pessoal, também promoveu uma reflexão destinada à organização promotora do evento e a rede de supermercados.

“Talvez Celso Athyde e cia pensem que a comunidade negra não é capaz de juntar esses eventos e concluir para onde vem andando as estratégias de silenciamento sobre o caso. Pois bem, não só somos, como somos capazes de questionar a respeito. Quanto vale o espancamento de uma pessoa negra? É por quilo ou por peça que vocês têm vendido nossos corpos mortos para o grande capital financeiro?”, questionou a escritora.

Vencedora na categoria masculina em Pernambuco, a Licoteria Capibaribe, de São Lourenço da Mata, também ficou surpresa ao ver a marca do Carrefour no material de divulgação. “Respeitamos muito a trajetória da Cufa e a iniciativa da Premiação, mas achamos que deveríamos ter sido informados sobre este patrocínio porque se trata de uma ação para empreendedores pretos, que tem a mesma cor de pele das pessoas que perderam suas vidas por ação do racismo institucionalizado no Carrefour. Só fazem dois meses da morte brutal de um homem negro. Ainda estamos de luto e um patrocínio não muda isso”, pontuou o empreendimento, que foi idealizado por Felipe Oliveira da Paixão.

De acordo com o site de divulgação, O Prêmio Pretos Empreendedores “ tem como objetivos principais valorizar e reconhecer publicamente as iniciativas desenvolvidas por negras e negros empreendedores, além de incentivar que instituições e indivíduos sociais percebam a existência desses empreendimentos”. Os finalistas foram indicados por uma comissão formada por personalidades negras, que indicaram os projetos escolhidos por votação popular.

Em sua rede social, o idealizador da CUFA, Celso Athayde, publicou um pedido de desculpas aos participantes, jurados e parceiros da Premiação reforçando que o cancelamento ocorreu por causa da crise sanitária, mas não comentou a repercussão em torno do Carrefour. Reconheceu o erro por não ter informado aos participantes sobre a parceria: “Para a realização da premiação, neste final de semana, entrei em contato com diversas empresas para angariar apoio para a realização da premiação aos selecionados e para a etapa final do evento e o meu grande erro, aliás o meu erro grosseiro e absurdo, foi não atualizar todos os envolvidos da presença desses parceiros e submetê-los ao crivo de absolutamente todos os envolvidos”, escreveu ele, que também garantiu que a entidade não agiu de “má fé”.  

Até o fechamento da matéria, procurada pela equipe de jornalismo do Alma Preta, a empresa Carrefour não enviou posicionamento mesmo após ter respondido, via assessoria de imprensa, que retornaria até às 16h.

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