Em 2023, 5.825 pessoas desapareceram no estado do Rio de Janeiro. Somente de janeiro a fevereiro deste ano, foram 973 pessoas. Das pessoas desaparecidas no Rio neste ano, 292 são da Baixada Fluminense, o que representa 30% do total.
Os números apresentam um recorte que evidenciam casos que seguem sem tipificação na legislação brasileira. Os desaparecimentos forçados, apesar de comuns, não configuram crime, o que dificulta o combate a este tipo específico de violência.
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As informações são do livro “Desaparecimento Forçado: Vidas Interrompidas na Baixada Fluminense”, resultado de uma pesquisa com base em dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, do Disque Denúncias do RJ e portais de notícia locais.
“Numa primeira aproximação, poderíamos dizer que [os desaparecimentos forçados] são aqueles casos em que uma ou mais pessoas desaparecem de modo não voluntário e em um contexto criminoso de violência letal”, conta Adriano de Araújo, coordenador do Fórum Grita Baixada e co-autor do livro, em entrevista à Alma Preta.
Araújo explica que esses episódios geralmente estão ligados ao uso da violência, podendo ser procedida de ameaças, torturas ou outras forças de coação.
O livro traça um perfil para as vítimas desses casos. Para o pesquisador, fica nítido o caráter racial, de gênero, classe e de território. “Trata-se, em sua maioria, de perfil semelhante às vítimas dos homicídios dolosos e dos mortos em operações policiais: homens, jovens e adultos, pretos e pardos”.
Os desaparecimentos forçados costumam acontecer em bairros, comunidades e territórios mais periféricos. Adriano de Araújo relaciona a precariedade dos serviços e equipamentos públicos a estes casos, pois faz com que a população viva sob o poder de grupos criminosos e ações policiais arbitrárias.
Os corpos das vítimas não são localizados e quando são, não há possibilidade de identificação. Valas, poços, cisternas, cemitérios clandestinos, reservas florestais ou locais de difícil acesso são os principais pontos de desova destes corpos.
Também são casos nos quais agentes do estado podem estar envolvidos. A Convenção Interamericana de Direitos humanos define que os casos ocorrem quando a privação de liberdade é “praticada por agentes do Estado ou por pessoas que atuem com a autorização, apoio ou consentimento do Estado”.
“Por se tratar de uma violência que conta com a participação de agentes públicos ou com o consentimento destes, não é difícil imaginar o quão custoso e às vezes até ameaçador deve ser para uma família procurar a delegacia de polícia para fazer um boletim de ocorrência”, recorda Araújo.
Devido à falta de uma legislação específica que criminalize o desaparecimento forçado, não há dados sistematizados que quantifiquem ou especifiquem esses casos. Isso faz com que eles sejam contabilizados como casos comuns de desaparecimento. Os dados oficiais da ISP sobre o tema são de uma categoria generalista, chamada ‘pessoas desaparecidas’.
“Se uma pessoa decide sumir, ir para outra cidade, estado ou país, sem deixar informações sobre seu paradeiro, ela acaba entrando no mesmo tipo de registro de um comerciante abordado por milicianos por não pagar um valor cobrado, e em represália, este grupo criminoso decide matar e desaparecer com o corpo do comerciante como uma forma de intimidar os demais moradores”, diz o pesquisador.
A categoria de ‘pessoas desaparecidas’, usada pela ISP, não leva em conta o fator das mortes serem protagonizadas por agentes de segurança pública, milícias ou facções de narcotraficantes, ignorando o caráter de segurança pública que existe no problema.
O sociólogo conclui que a tipificação criminal é uma das medidas a serem tomadas para enfrentar o cenário. Para ele, é preciso criar na legislação uma tipificação para este crime, possibilitando “estudos oficiais sobre o tema, levantamento estatístico e análises que permitam o real dimensionamento do fenômeno e a criação de políticas de estado voltadas a esta realidade”.