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Brasil ultrapassa 600 mil mortes por Covid-19 e é o segundo país mais letal

País é o segundo com mais óbitos pelo novo coronavírus no mundo; população negra é a mais impactada pela crise gerada durante a pandemia

Texto: Fernanda Rosário | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Alex Pazuello/Semcom/ Fotos Públicas

Imagem mostra um cemitério. Um coveira está em pé próximo a covas de vítimas da covid-19.

8 de outubro de 2021

Abadia de Fátima Alves, 63 anos, “era a doçura no olhar, no coração e na vida de todos”. Lídia Bastos dos Santos Ferraz, 49 anos, “com sua simplicidade e afeto intenso, aprendeu e ensinou pela vida que é preciso saber dançar na chuva”. William Cohene Neder Júnior, 24 anos, “tinha nome de príncipe – e era um”. Essas são algumas das pessoas homenageadas no site Inuméraveis, um memorial dedicado às vítimas da Covid-19 no país, que hoje chegaram à marca de 600 mil pessoas.

“São 600 mil vidas, 600 mil sonhos interrompidos, projetos impactados, desejos paralisados. Importante sempre reafirmarmos que estamos falando de pessoas, de vidas e não de números”, afirma o antropólogo e sanitarista Altair Lira.

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O Brasil é o segundo país com mais mortes pelo novo coronavírus no mundo, que contabiliza um total de mais de 4,5 milhões de vidas perdidas durante a pandemia. Mesmo com apenas 2,7% da população do planeta, o Brasil concentra cerca de 12,5% de mortos pela doença em todo o mundo.

Os impactos dessas mortes mostram-se intensos na vida de muitas famílias que perderam amigos e familiares Segundo estudo da revista científica The Lancet, entre março de 2020 a abril deste ano, 130.363 crianças e adolescentes de até 17 anos ficaram órfãos ao perder seus responsáveis para a Covid-19.

A população negra está entre as que mais são impactadas pelas consequências do coronavírus no país. Segundo o estudo “Raça e Covid-19 no Município de São Paulo”, lançado em junho de 2020, a taxa de mortalidade de pessoas negras é maior no município de São Paulo, por exemplo. Foram 172 óbitos de pessoas negras pela doença a cada 100 mil habitantes. Em pessoas brancas, o número caiu para 115 mortes a cada 100 mil habitantes. De acordo com a pesquisa, homem negros foram 250 dos óbitos a cada 100 mil habitantes.

O sanitarista Altair Lira, que também é coordenador da Área Temática de Saúde da População Negra da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadoras e Pesquisadores Negras e Negros) pontua que, desde o ano passado, pesquisadoras e pesquisadores negros que estudam e qualificam o campo da Saúde da População Negra e o SUS, já demonstravam preocupação pelo impacto da pandemia sobre a população negra.

“Historicamente, é a população negra que apresenta as piores condições. Moram em condições precárias e trabalham em condições precárias. São trabalhadoras e trabalhadores que não puderam atuar de forma remota e que, ao lotar ônibus e metrôs, não tiveram o direito ao distanciamento social, como também logo, no início, não tiveram direito à máscaras e álcool em gel”, complementa.

Subnotificação

Segundo informações do último boletim epidemiológico especial do Ministério da Saúde, com referência a semana do dia 19 a 25 de setembro, foram notificadas 350.418 mortes por Covid-19 no país em 2021, sendo que pessoas pardas representaram 33,5% (370.069) dos óbitos e pretos representaram 4% (44.560) desse total. Dados raciais não foram repassados em 17% (188.493) dos casos, o que não permite saber o tamanho real das diferenças entre negros e brancos nesses números.

Existe também um cenário de subnotificação do número de óbitos a ser considerado, o que revela como o saldo da pandemia pode ser bem pior do que o registrado. Um estudo do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) aponta que, até o dia 6 de maio deste ano, pelo menos, 187 mil pessoas morreram por Covid-19 no Brasil e não estavam nos registros oficiais. O IHME estimou também que, até o dia 6 de maio, o mundo perdeu mais que o dobro de vidas para a pandemia além do registrado.

Vacinação e flexibilização das atividades

De acordo com informações do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde, 45,57% da população brasileira está totalmente imunizada com as duas doses ou dose única da vacina contra a Covid-19.

Diante de um avanço da vacinação nos estados, já existe uma flexibilização à volta das atividades presenciais. “A flexibilização deve ser feita com profundo cuidado e estudo, observando que atividades sociais e econômicas necessitarão voltar a funcionar, se não em sua totalidade de ocupação, mas seguindo protocolos de segurança bem descritos e aplicáveis. Ampliar a vacinação e a testagem, garantir mais e melhor transporte público são alguns dos elementos importantes”, destaca Altair.

O sanitarista também destaca a importância da continuidade do uso de máscaras. “A máscara é um artefato barato que apresenta resultados. É importante dentro de uma pandemia, em que nós estamos aprendendo sobre ela, que possamos ter o máximo de segurança possível”, relata.

Mesmo com UTIs menos ocupadas do que os períodos mais críticos da pandemia, o fato de existirem pessoas ainda hospitalizadas e que ainda morrem com a doença mostra a gravidade do problema, principalmente, diante das variantes. “Nesse momento de flexibilização das coisas, um momento também que precisamos discutir é sobre a questão da priorização da vida”, complementa Altair.

Além disso, a vacinação ainda não mostra os avanços esperados em uma parcela da população, já que 60,4% dos quilombolas, mesmo sendo um dos grupos prioritários para a imunização, não receberam a segunda dose da vacina. A análise foi feita pelo site Metrópoles, com base em informações do Ministério da Saúde e da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR).

O abandono do poder público sobre essas populações é um dos problemas apontados. “Desde o início da vacinação, percebemos a ênfase em serviços drive-thru, ou seja, favorecendo os que possuíam carros, ou a pouca oferta de postos de vacinação, distantes dos bairros mais populosos. É importante observar que a própria análise do impacto da vacinação por grupos ou com olhar para comunidades mais afetadas teria como um fator a auxiliar o número de testagem, mas o que tivemos foi uma testagem baixa e desigual”, comenta o sanitarista.

Pandemia, fome e desemprego

Fora a pandemia, a fome e o desemprego aumentaram no país impactando mais as populações mais vulneráveis. Segundo levantamento de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), já são mais de 19 milhões de brasileiros em situação de fome no Brasil. Somado a isso, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), desde o início da pandemia, o preço dos alimentos aumentou em 15%.

Dentro desse cenário, a população negra é a mais desempregada. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, no 2º trimestre de 2021, a população desocupada subiu para 14,4 milhões de pessoas, sendo representada por 50,6% de pardos e 11,6% de pretos.

“Nós estamos em vias de terminar o auxílio emergencial. Novembro vai ser um mês catastrófico porque se nós temos hoje pessoas assim sendo queimadas pelo uso de álcool, porque não tem como comprar um botijão. Se nós temos pessoas sem dinheiro para comprar a carcaça de frango. No norte do país, estão vendendo vísceras e cabeça de peixe. Então, a situação do país vem impactando profundamente a população negra, a população carente, a população mais pobre”, finaliza Altair.

Leia também: Covid-19: morre quase o dobro de negros do que de brancos no mesmo bairro em São Paulo

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