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Brasileira vítima de violência doméstica na França denuncia desamparo das autoridades

A imigrante vive legalmente no país europeu há 12 anos e relata que a justiça se recusou a oferecer medidas protetivas; "Minha sensação é que existem várias discriminações contra mim", diz

Texto: Letícia Fialho | Edição: Nataly Simões | Imagem: Arquivo pessoal 

 

Foto da vítima em Paris

16 de agosto de 2021

A maquiadora brasileira Pamela Ferreira, 38 anos, mora em Paris, capital da França, há cerca de 12 anos. Ela, que é uma mulher negra e  transexual, busca apoio da diplomacia brasileira após ter sido vítima de violência doméstica em junho deste ano e não encontrar nenhum suporte das autoridades francesas.

À Alma Preta Jornalismo, Pamela, que é natural do Rio de Janeiro, conta que as agressões começaram após o término da relação que começou em 2017, motivado por traições do ex-companheiro, o brasileiro Rafael Soares Marini. Com a saída dele de casa, a imigrante passou a ser ameaçada e teve fotos íntimas vazadas para familiares, seus colegas de trabalho e empregadores.

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A justiça francesa só autoriza medidas protetivas com a ordem do Juíz, e de acordo com dados do grupo Mulheres do Brasil, existem hoje cerca de 295 mil pedidos em aberto, neste ano apenas 4 mil mulheres receberam a concessão das autoridades francesas.  Segundo a vítima, a ação da polícia foi completamente ineficaz, já que a prisão em flagrante do ex-companheiro não foi cogitada, ele saiu livre juntamente aos policiais. Para Pamela isso se deve ao fato de ser uma mulher transgênero negra. “Nunca imaginei viver essa situação. Eu não tenho outra opção a não ser recorrer ao meu país para poder me ajudar” afirma a brasileira.

 Leia também: Ativistas trans ampliam o debate contra a transfobia dentro e fora da Internet

No Brasil, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), a própria residência é o lugar mais perigoso para mulheres. No Mapa de Violência de Gênero, 49% do total de agressões são contra mulheres trans e travestis. 

“Existe na França um descaso muito grande em relação à violência contra a mulher. Minha sensação é que existem várias discriminações contra mim, por ser uma mulher trans, negra e imigrante”,  relata Pamela.

A imigrante ainda não conseguiu alterar seu documento para o uso do nome social e, segundo ela, as autoridades não a chamam como gostaria. Segundo a vítima, isso ocorreu desde o primeiro momento em que teve que apresentar seu documento para a polícia. 

Em contrapartida, a França foi o primeiro país do mundo a abolir, em 2010, a classificação de “Transexualismo”, termo que dava uma conotação patológica para a transidentidade. 

Em Paris existe uma unidade multidisciplinar para abordagem de questões de gênero entre crianças, jovens e adultos que não se identificam com seu gênero biológico. A unidade fica no Hospital Pitié-Salpetière e reúne endocrinologistas, geneticistas, psiquiatras, cirurgiões, juristas e organizações não-governamentais que levam em conta conceitos de diversidade da sexualidade humana na hora de tratar os pacientes. 

O único apoio que a brasileira recebeu até o momento foi da Associação Mulheres da Resistência e do Grupo Mulheres do Brasil em Paris, que presenciaram episódios em que Pamela retornou à delegacia após  receber ameaças do ex. A polícia francesa se recusou a abrir boletim de ocorrência contra o ex-companheiro da vítima em três delegacias. Sua denúncia só foi validada quando acompanhada pelas apoiadoras. 

“Ela foi amparada somente pelos grupos de mulheres, apesar do Consulado Geral do Brasil em Paris oferecer assitência psicológica e jurídica somente para aconselhamento. Embora o consulado não acompanhe os casos diretamente, ele dispõe de uma lista de advogados associados que podem orientar às vítimas quando violentadas”, explica Márcia dos Anjos, integrante da Associação.

Segundo Márcia, a Polícia Federal e o Consulado brasileiro só podem trabalhar mediante a notificação da polícia francesa, que ainda não ocorreu. “Percebo que o Brasil está muito à frente de outros países. Seria importante ter um posto da delegacia da mulher dentro da embaixada ou consulado, para que possam atender as brasileiras em vulnerabilidade, que sofrem violência doméstica e não encontram ajuda”, completa Márcia. 

A advogada criminalista Fayda Belo, especialista em crimes de gênero, direito antidiscriminatório e feminicídio, acompanha o caso de Pamela e busca apoio da diplomacia brasileira.

“Assumimos a Defesa de Pamela Ferreira para buscar uma efetiva resposta jurídica aos crimes que ela vivenciou, e ainda está vivenciando em Paris. Estamos buscando junto à diplomacia brasileira que cobre da justiça francesa uma resposta efetiva  e rápida quanto aos crimes que ela foi vítima em Paris pelo seu ex-companheiro”, explica.

A criminalista diz que Pamela, apesar de residir regularmente na França há 12 anos, por se tratar de uma mulher negra, transexual e imigrante, tem sofrido com o descaso das autoridades francesas, que além de não terem prendido o agressor no momento do flagrante, mesmo tendo sido chamado até o local, até o momento sequer lhe concederam uma medida protetiva que possa salvaguardar a sua integridade física e vida.

“Pamela foi agredida, discriminada, ameaçada, difamada, extorquida, teve fotos íntimas vazadas por ele e, deste modo, diante de tantos crimes praticados contra ela, esperamos a colaboração do Brasil para que cobre uma solução rápida para o caso, de forma que este agressor seja punido nos rigores da lei pelos delitos praticados”, pondera a advogada. 

Consulado brasileiro 

Em nota, o Consulado Geral do Brasil em Paris afirmou que forneceu orientações de natureza jurídica à Pamela, tendo em conta as providências legais já tomadas pela brasileira. “Esclarecimentos sobre os limites de ação dos agentes consulares ante a soberania das instâncias policiais e judiciárias do país em que está localizada a representação consular foram-lhe igualmente prestados”, diz o e-mail enviado para a reportagem. 

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