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Carrefour atrasa concessão de bolsas e órgãos fingem não ver

Órgãos públicos que acompanham a entrega das bolsas não sinalizaram uma única vez para os atrasos da rede de supermercados; Carrefour e órgãos públicos negam o descumprimento
Imagem mostra mulher com máscara de proteção segurando uma cruz escrito "Vidas Negras Importam" em frente a unidade do Carrefour.

Foto: Sérgio Lima

1 de dezembro de 2023

O Carrefour atrasou o processo de concessão de R$ 68 milhões em bolsas de estudo para jovens negros. A medida é uma das ações previstas no termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre a rede de supermercados e uma série de órgãos públicos, a mais importante do valor total de R$ 115 milhões. 

O acordo foi assinado por causa do assassinato por espancamento de João Alberto Freitas, em uma unidade do Carrefour de Porto Alegre (RS), em 19 de novembro de 2020, véspera do Dia Nacional da Consciência Negra. 

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O TAC foi feito no dia 11 de junho de 2021 e previa o início da cláusula para 90 dias, ou seja, até a data de 8 de setembro. A medida  teve o início determinado pelo procurador da República Enrico de Freitas no dia 28 de setembro do mesmo ano, em encontro virtual, semanas depois do combinado.

O atraso não foi sinalizado em nenhum momento do processo sobre o caso, nem pelos órgãos fiscalizadores, nem pelas empresas de auditoria. A apresentação da minuta do edital previsto no item relacionado às bolsas de estudo só ocorreu pela Cebraspe, empresa contratada para executar a demanda, no dia 16 de maio de 2022, oito meses depois do prazo limite de 90 dias previsto.

Carrefour atrasou também formação de profissionais de tecnologia e idiomas

O prazo de 90 dias também contava para a formação de profissionais no setor de tecnologia e idiomas, com um orçamento previsto de R$ 6 milhões, segundo o acordo. O Carrefour conseguiu apenas formalizar a contratação da empresa “Academia PME Educação e Consultoria em Negócios LTDA”, no dia 15 de outubro, para a capacitação de 200 pessoas negras para atuação profissional no setor de tecnologia. A assinatura do contrato, mais de um mês depois do combinado, configura mais um atraso.

O Carrefour afirmou que já tinha uma empresa de consultoria na contribuição para executar a ação e, por conta disso, sinalizou que a cláusula já estava em aplicação. Apesar disso, o documento apresentado pela Klid, consultoria contratada pela rede de supermercados francesa, descrito como “planejamento edital qualificação: bolsas de idiomas e tecnologia” foi apresentado no dia 15 de setembro, sete dias depois do prazo ter expirado.

A Digital Innovation One, outra contratada para execução da medida, apresentou uma proposta no dia 5 de outubro e teve o contrato assinado para iniciar os trabalhos para o desenvolvimento das bolsas de idiomas e tecnologias no dia 15 de outubro, mais de um mês depois do prazo expirado.

O outro tópico do acordo, destinado para o desenvolvimento de projetos para o empreendedorismo negro, recebeu a primeira menção no documento que acompanha o TAC no dia 22 de outubro, em reunião do Ministério Público Federal (MPF). Houve uma sinalização para ​ realizar um contato com a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) para “levantamento de sugestões de entidades para realizar a gestão de inscrição e apoio à seleção regida pelo edital objeto da reunião”. A referência também foi feita fora do prazo inicial de 90 dias para o início da iniciativa.

O acordo e as diferenças no tempo foram questionadOs pelo Conselho da Comunidade Negra do Rio Grande do Sul (CODENE), que enviou um pedido no dia 23 de agosto de 2022 de posicionamento para o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) sobre os prazos desrespeitados pelo Carrefour.

Em resposta, o MP afirmou que reuniões têm sido feitas para monitorar a execução dos compromissos e afirmou que todo cuidado tem sido tomado para que as medidas sejam executadas de maneira transparente. O órgão  sinalizou para a possível extensão dos prazos para o Carrefour e admitiu que há uma atitude de “compreensão” para evitar medidas judiciais ou mesmo multas contra a rede de supermercados.

“Todas as providências necessárias à correta execução têm sido adotadas, em caráter preventivo, pelos órgãos competentes para fiscalização de sua execução, sem prejuízo de eventuais medidas corretivas, extrajudiciais ou judiciais, em relação ao compromissário, em caso de inexecução ou execução não satisfatória, se necessário.  Avalia-se que as tratativas para a execução do acordo têm transcorrido de forma adequada e razoável, e eventual alongamento do prazo para início da execução de algumas ações tem se dado por deliberação colegiada dos órgãos públicos para que sejam aprimorados mecanismos de execução e de auditoria das obrigações”, diz o texto de resposta do MP-RS.

O Carrefour também foi omisso para responder aos questionamentos do MP-RS. No dia 15 de setembro, o Ministério Público do Rio Grande do Sul emitiu um comunicado com o texto “O TAC não foi cumprido”. Na sequência, um despacho foi emitido com a solicitação de que no prazo de 15 dias houvesse um retorno.

O grupo descumpriu novamente o prazo estipulado pelo MP com novo comunicado do órgão, no dia 4 de outubro. A rede francesa apenas se manifestou com as informações exigidas no dia 5 de outubro, depois de faltar em dois prazos combinados com os fiscalizadores públicos.

Auditoria paga pela Carrefour nega atrasos

A PWC, empresa contratada para auditar o processo, fechou os olhos para os atrasos do Carrefour. Depois de receber R$ 1,5 milhão da rede de supermercados, a companhia ficou com a responsabilidade de acompanhar a aplicação do acordo. 

Em comunicado, a PWC afirmou que o “o Grupo Carrefour cumpriu, em todos os aspectos relevantes, as obrigações e os prazos previstos no TAC para o período de 11 de junho de 2021 a 10 de dezembro de 2021”.

A PWC afirmou ter acompanhado o cancelamento do contrato da Vector, empresa cujos profissionais espancaram Beto Freitas até a morte. O relatório não apontou que, depois de rompido o contrato, a Vector mudou de nome para Cordialle e foi recontratada pelo grupo Carrefour para oferecer serviços de vigilância.

A auditoria também relatou ter acompanhado o cancelamento com as demais empresas de segurança, mas não sinalizou que a maioria das companhias foi recontratada, apenas com termos diferentes, em acordo com as previsões colocadas pelo TAC. 

O Carrefour também negou os atrasos, mesmo com a informação apresentada em reunião com os órgãos públicos. O grupo também sinalizou que “as demais obrigações previstas no TAC seguem também sendo cumpridas corretamente”. A PWC não apresentou explicações para a Alma Preta Jornalismo e afirmou que não se posicionaria. 

A Defensoria Pública da União (DPU) relatou que o edital para estudantes bolsistas foi lançado e o processo foi concluído, com a seleção de 883 alunos. O órgão disse que “apesar de a cláusula ainda não ter sido totalmente cumprida, a DPU comunica que todas as etapas seguem o acordo estabelecido”. Os demais órgãos não emitiram uma posição até a publicação desta reportagem.

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  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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