Uma ação territorial, que envolve desde a União até a Prefeitura Municipal de São Paulo, discute há anos o destino dos times de várzea que utilizam o Campo de Marte, localizado na Zona Norte da cidade. O extenso processo pode proibir a prática do esporte amador no local, que atualmente conta com seis clubes de várzea oficiais: SADE, Cruz da Esperança, Baruel, Aliança Pitangueira e VUP.
O arquiteto Fábio Farah Cavaton, assessor técnico dos times de várzea do Campo de Marte, explica que a disputa pelo espaço é antiga, pois se trata de uma área pertencente à prefeitura e confiscada pela União após a Revolução de 1932. Atualmente, o aeroporto opera exclusivamente com aviação geral, executiva e táxi aéreo, e com o sistema de balizamento noturno, que permite operações da aviação executiva até as 22h.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
“Como o Brasil estava na Ditadura do Estado Novo, a prefeitura não pôde fazer muita coisa a respeito. Com o fim do Estado Novo, começou um processo de negociação entre prefeitura de SP e União, que culminou na judicialização do caso. Desde 1958, com a gestão municipal pedindo a reintegração de posse do terreno, esse processo está correndo e hoje se encontra no último recurso possível, mas ainda não há definição sobre a área”, afirma Cavaton.
O assessor técnico ainda pondera que o Campo de Marte é um dos poucos locais que resguardam o futebol amador na cidade e, ao mesmo tempo, a construção de um complexo de campos de futebol na região, considerada privilegiada, só foi possível graças a essa batalha judicial pelo espaço. Por ser uma área muito grande, algumas partes ficaram sem um destino definido. Na década de 60, a Aeronáutica cedeu uma parte do terreno para que clubes de várzea montassem seus campos ali, já que alguns desses clubes tinham perdido seus espaços originais com a construção do complexo do Anhembi.
Cavaton relembra que essa sempre foi uma prática comum na cidade de São Paulo: proprietários de terra cedem o uso do seu terreno para que clubes de várzea tomem conta da área. “Quando a situação fica favorável ao proprietário, ele pega o terreno de volta e os clubes precisam se virar para continuar existindo”, completa.
Liminar do STF
De acordo com o arquiteto, até 2006 os clubes de várzea e a Aeronáutica dividiam o espaço de maneira harmônica. No entanto, no mesmo ano, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) deu parecer favorável à posse do terreno para a prefeitura municipal. Essa decisão solicitava que a Aeronáutica devolvesse toda a área em que não estivesse ocorrendo atividades federais à gestão da cidade e, à União, foi determinado o pagamento de uma indenização ao município pela parte utilizada do terreno do Campo de Marte.
“Com essa decisão, a Aeronáutica entrou com um pedido de reintegração de posse sobre a área que os seis clubes hoje ocupam. Diante disso, os clubes se organizaram e entraram com uma liminar contra essa reintegração de posse, pois como ainda não tinha sido decidido quem era o dono do terreno, a Aeronáutica não poderia expulsá-los dali”, lembra.
Essa liminar, citada pelo arquiteto, é o que ainda garante a permanência dos clubes no local e também obriga a prefeitura e a União a negociarem com os clubes sempre que surge um novo projeto para a área. Em 2017, o presidente Michel Temer (MDB) e o até então prefeito João Dória (PSDB) assinaram um acordo de intenções para que uma parte do terreno do Campo de Marte fosse utilizada pelos clubes de várzea.
“A ideia era a União ceder essa parte onde hoje estão os clubes e mais uma área de mata para que a prefeitura implantasse um parque e também o Museu Aeroespacial. Foi outro momento em que os clubes precisaram se organizar”, conta Cavaton.
O município, por sua vez, apresentou um projeto de parque que não previa a manutenção dos clubes. Como o acordo de intenções não anulava a briga judicial, os clubes poderiam interferir no projeto, de acordo com o arquiteto. Ele diz que na época foi apresentada uma uma contraproposta dos times para a criação não só do parque e do Museu Aeroespacial, mas também do Clube da Comunidade Campo de Marte. “Tivemos algumas reuniões com diferentes secretários, mas o projeto não foi para frente, como costuma acontecer com todos os projetos envolvendo o Campo de Marte”, lamenta o assessor técnico.
Após a posse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em 2018, Cavaton explica que surgiram ideias de transformar o Campo no maior colégio militar do Brasil. Fábio explica que o projeto só não foi para frente devido aos conflitos políticos entre o ex-prefeito Bruno Covas (PSDB) e o presidente. Segundo ele, até negociadores do Exército foram enviados.
Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) concordou com a decisão do STF de que a área do Campo de Marte pertence à prefeitura. Logo, ficou determinado que o local em que não há atividade federal deve ser devolvido, “enquanto uma indenização deve ser paga para aqueles lugares onde há uma atividade federal”, diz. “A União recorreu novamente, e o processo está agora com o tal do [Kássio] Nunes Marques, magistrado do STF”, complementa.
Insegurança dos clubes de várzea
Segundo Fábio Cavaton, recentemente o prefeito Ricardo Nunes (MDB) propôs um novo acordo com a União, caso seja mantida a decisão do STF: no lugar de receber uma indenização, a prefeitura sugeriu o perdão da dívida pública da cidade de São Paulo. A decisão da proposta ainda não saiu e o medo do desalojamento, por partes dos times, continua.
“Os clubes são uma das poucas opções de lazer para o pessoal da Casa Verde e de outros bairros próximos. A verdade é que com o fim da disputa judicial se aproximando, os clubes estão ficando mais vulneráveis do que nunca estiveram. O mercado imobiliário tem um olho grande por toda aquela área”, lamenta Cavaton.
Velha guarda do futebol de várzea do Campo de Marte | Créditos: Acervo Pessoal
O secretário geral da associação dos clubes, o advogado Otacilio Ribeiro, ainda complementa que os times de várzea ocupam o Campo de Marte de maneira legítima há mais de 60 anos e não podem ser expulsos do espaço, até porque os clubes realizam ações sociais e contribuem para a manutenção da área.
“Se a Prefeitura realmente for a dona da área, é mais fácil para que nós possamos permanecer no espaço. A nossa intenção é ficar, fazemos parte da história da cidade e queremos provar a nossa legitimidade”, comenta.
Para repercutir as informações sobre os clubes de várzea que ocupam o Campo de Marte, a Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a União e com a Prefeitura Municipal de São Paulo. Até a publicação da reportagem nenhuma das entidades se manifestou. Caso respondam, o texto será atualizado.
Leia também: ‘Cinemateca: produções cinematográficas negras podem ter sido perdidas em incêndio’