Para advogada e coordenadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), “o estado produz a vulnerabilidade social que alimenta o crescimento dos homicídios”
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Reprodução
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Crimes contra a vida como homicídios, latrocínios e lesão corporal aumentaram no primeiro semestre de 2020, com 22.680 brasileiros mortos. São 6,2% de mortes a mais que no mesmo período de 2019, segundo o levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que faz o acompanhamento mensal dos assassinatos pelo “Monitor da Violência”.
As 1.323 mortes a mais para um primeiro semestre foram registradas após dois períodos seguidos de baixa no volume de assassinatos no país. Em janeiro de 2020, quando a Covid-19, o novo coronavírus, ainda não havia chegado no Brasil, foram registrados 3.767 assassinatos contra 3.920 do mesmo mês do ano passado, confirmando a tendência de baixa.
A partir de fevereiro, no entanto, os casos de mortes violentas no Brasil dispararam. Foram 4.004 mortes em fevereiro de 2020 contra 3.275 do mesmo mês de 2019. Em março, também foi alta a diferença: 4.148 mortes em 2020 contra 3.729 no ano passado.
“A necropolítica do governo Bolsonaro geolocaliza a população historicamente discriminada sem direito à. cidadania, a população que é matável, a população indesejável. São as mulheres negras vítimas do feminicídio, a juventude negra vítima da violência policial, mas também na política de morte e de deixar morrer nas mãos das facções criminosas”, diz a advogada Dina Alves, coordenadora do departamento de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)
Mais mortes no Nordeste
A região do país com maior crescimento no número de assassinatos no primeiro semestre de 2020 foi a do Nordeste, com alta de 22,4% ao somar 10.488 mortes em seis meses. Em 2019, foram 8.571 crimes contra a vida. No Ceará foram 2.237 mortes em 2020, ou seja, 102,3% a mais que as 1.106 mortes de 2019.
O Monitor da Violência não faz o recorte racial das vítimas fatais de crimes violentos. O último Atlas da Violência publicado em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no entanto, apresentou que a taxa de homicídios com vítimas negras é de 43,1 para 100 mil habitantes, enquanto a de não-negros é de 16 para cada grupo de 100 mil. A morte violenta de negros no Brasil é 37% maior do que a de não negros.
“O Brasil contemporâneo é um retrato ainda do Brasil colonial, em que o homem branco é a maior expressão do capital racial. Não adianta colocar na conta das facções criminosas a alta da violência. Falta uma análise histórica para entender que negros e indígenas foram escolhidos como inimigos da nação e que as políticas de segurança pública são dispositivos de controle e extermínio desse grupo social. Perceber isso é o primeiro passo para entender o aprofundamento da violência hoje no país”, considera Dina.
De acordo com a advogada e coordenadora do IBCCRIM, o Estado é responsável pela estrutura que permite o avanço da violência. “O Estado é um agente delinquente que produz a vulnerabilidade social que dá suporte para a distribuição desigual da violência. A polícia e a facção criminosa não são organizações antagônicas. São faces da mesma moeda”, salienta.
No Brasil, 17 estados apresentaram alta nos casos de assassinatos, sete deles com índices acima de 10%, na comparação com 2019. Em nove estados houve queda no total de assassinatos, com destaque para o Pará (-23,8%) e Roraima (-27,6%).