Abraham Weintraub e Jair Bolsonaro terão que enfrentar uma legião de cotistas que não vão aceitar voltar para casa
Texto / Simone Nascimento | Imagem / Mídia Ninja
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Tudo começou quando o Ministro da Educação, Abraham Weintraub acusou de “balbúrdia” eventos que ocorreram na UFF, UNB e UFBA e anunciou cortes nestas instituições de 30% nas verbas. Sob esse argumento, o governo do presidente Jair Bolsonaro confirmou os cortes para todas as universidades e institutos federais, impactando inclusive a educação básica. A reação foi imediata, e estudantes, professores e diversos segmentos da sociedade reagiram convocando assembleias, paralisações e realizando atos de rua de peso em todo país no último dia 15 de maio.
Essas reações são a prova viva de que Abraham e Bolsonaro terão que enfrentar uma legião de estudantes que não vão aceitar voltar para casa. Trata-se de uma geração inteira que teve os primeiros ingressantes de suas famílias nas universidades, após uma mudança significativa no perfil do ensino superior brasileiro.
A Lei Federal de Cotas (Nº 12.711), instituída no país no dia 29 de agosto de 2012, determina a reserva de 50% das vagas das instituições de ensino superior para estudantes que tenham cursado o ensino médio integralmente em escolas públicas. Ela determina também reserva percentual mínima de vagas para negros e indígenas de acordo com a sua representatividade em cada Estado. Essa política desencadeou um novo perfil de estudantes que se farão ver nas lutas de hoje.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entre 2012 e 2015, o número de alunos de escolas públicas que ingressaram nas universidades federais saltou de 28.835 para 78.350. Entre os anos de 2012 e 2015, o número de estudantes que se declararam negros e entraram em universidades públicas passou de 933.685 para 2.172.634.
A lei de cotas é resultado de décadas de luta do movimento negro, que reivindica o acesso ao ensino superior gratuito e de qualidade. Entendemos que esse é um patamar mínimo, e nossa luta arrancou e continua arrancando vitórias em todo país. A Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, que está fora do sistema federal, só aprovou cotas sociais e raciais em 2017, depois de muita luta do movimento negro, dentro e fora da universidade.
Em uma década, vivemos mudanças significativas no Brasil da falsa abolição, que completou 131 anos no último dia 13 de maio. Ainda estamos distantes de um projeto de universidade popular e emancipador – reivindicado pelos movimentos sociais da educação em 1997, durante o debate do primeiro Plano Nacional da Educação -, mas nossa presença crescente já abalou fortemente as estruturas. Não à toa, na mesma semana do anúncio dos cortes na educação pública, parlamentares do mesmo partido de Bolsonaro, o PSL, apresentaram na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro um projeto de Lei para colocar fim às cotas raciais no primeiro Estado brasileiro a instalar essa política pública, através da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Depois, junto aos herdeiros da Corte escravocrata, o filho do presidente convocou um ato em memória e homenagem à Princesa Isabel no Congresso Nacional, que foi interrompido pelo Movimento Negro.
A tesourada de mais R$ 5,714 bilhões de reais na educação, seguido da decisão da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), também ligada ao Ministério da Educação, de suspender a concessão de novas bolsas de mestrado e doutorado, são um ataque violento contra a nossa já tão frágil educação pública.
Nos últimos anos, os cortes na educação foram paralelamente responsáveis pela evasão de estudantes cotistas em todo país. Por isso, a luta por bandejões, moradias estudantis, transporte e bolsas para produção científica, sempre foram pautas permanentes dos movimentos de base nas instituições de ensino superior.
Já em 2015, o governo Dilma realizou um contingenciamento nas áreas sociais, como saúde e educação – somente o Ministério da Educação sofreu um corte de R$ 9,42 bilhões. Depois, investimentos públicos em políticas sociais voltados para os mais pobres foram congelados no governo Temer através da Emenda Constitucional 95. Agora, a tesourada de Bolsonaro afeta em cheio a educação pública, das escolas, onde há o maior número de adolescentes negros estudando, até as universidades, desmontando suas políticas de permanência estudantil e um modelo universitário que seja mais comprometido com a sociedade, debilitando, por exemplo, o investimento das instituições em hospitais universitários, que atendem majoritariamente comunidades pobres em acesso à saúde pública – mais de 70% dos mais pobres no Brasil são negros.
Sem dúvida alguma, as universidades que irão sucumbir por falta de verba, congelamento de bolsas e políticas de permanência estudantil, mostram que está em curso um projeto para fechar os portões do ensino superior para a população negra e periférica brasileira. Trata-se da disputa permanente com os que tremem em ver os filhos de seus empregados estudando na mesma sala de aula que seus filhos.
Vivemos hoje uma luta decisiva e histórica. Ao propagarem o ódio e a censura, Bolsonaro e Weintraub, em meio a um cenário antigo de dificuldades orçamentárias, estão nos tirando o direito ao futuro e propondo soluções que ignoram a existência dos mais pobres deste país. Ao mesmo tempo, o projeto político completo deste governo tem caminhado para o aprofundamento do genocídio da população negra brasileira.
O resultado da conta “+Educação -Armas” visto ontem em tantos cartazes nas ruas do país, assim como “Em defesa da previdência social e da educação pública”, serão batalhas determinantes para a existência de nossas vidas. Por isso, lutar contra os cortes de Bolsonaro na educação é uma luta do movimento negro.
Hoje, somos milhares de negras e negros que também passaram a formular mudanças para vida do nosso povo do lado de dentro dos muros das universidades, através de pesquisas, teses, criações, fundando coletivos negros universitários, grupos de estudos e realizando encontros nacionais de estudantes negros. Foi essa mudança radical que também gestou uma nova geração do movimento negro no Brasil. Um sonho ousado de nossos ancestrais, conquistado através de muita luta!
Essa resistência, dos que derrubaram os portões para dar passagem às cotas raciais, se encontrou com aqueles que adentraram, para que possamos juntos, permanecer e possibilitar a vinda de muitos outros. É uma luta que também se fará por e junto aos centenas de negras e negros secundaristas que já resistiram nos últimos anos ocupando suas escolas e levando suas carteiras para as ruas, exigindo seu direito ao futuro. Afinal, é por nós, por todos nós!
No próximo dia 30 de maio novas manifestações de rua estão sendo convocadas em todo Brasil contra os cortes na educação!