O ambulante alagoano Rubens Teixeira, 25, sempre conviveu com a falta de saneamento e com esgoto a céu aberto na frente de casa. Isso fez com que ele presenciasse adultos e crianças com doenças de veiculação hídrica, a exemplo das ligadas à transmissão de verminoses, como esquistossomose, teníase, oxiuríase, além da presença de animais peçonhentos: ratos, baratas e escorpião.
Rubens é nascido e criado na Grota* do Cigano, localizada no Jacintinho, o segundo bairro mais populoso de Maceió (AL) — população estimada em 86,5 mil habitantes de acordo com dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010.
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O acesso à casa do jovem se dá pela rua principal do bairro. No local há comercialização de peixes e a sujeira oriunda do tratamento do alimento desce ladeira abaixo. “Aquela água fétida, que traz doença, mosca, insetos e outros”, relata.
A residência é simples, sala, cozinha, dois quartos, banheiro e quintal. Nos fundos há oito barracos, contendo apenas quarto e sala. “Graças a Deus nunca convivi com o esgoto correndo dentro de casa, pois meu pai havia feito uma casa bem arrumada. Mas, eu vi casas de vizinhos em que o esgoto corria dentro da própria casa e quando chovia era o maior sofrimento”, recorda o ambulante.
A realidade vivida por Rubens é atestada pelo relatório do Instituto Trata Brasil. Segundo o estudo, a capital alagoana figura entre os piores municípios no ranking de saneamento (água tratada e coleta de esgoto), chegando a ocupar a 91ª posição entre as 100 maiores cidades do país, em 2022.
O levantamento, divulgado em março deste ano, foi realizado levando em consideração o acesso à água, coleta e tratamento de esgotos e índices de perdas e investimentos. O documento ainda aponta que a cobertura de água tratada é de 89,61%, tendo 43,03% da população com acesso a coleta de esgoto e 50,58% dos maceioenses têm esgoto tratado.
A distribuição de água e os serviços de esgotamento sanitário na Região Metropolitana de Maceió ficam a cargo da BRK Ambiental, empresa privada que venceu leilão no segundo semestre de 2021. Sobre os dados do Trata Brasil, a empresa afirmou em março, por meio de nota à imprensa local, que os dados são referentes a um período anterior à atuação da BRK na cidade e prometeu a partir do novo marco do saneamento básico, aprovado em 2020, a universalização dos serviços de água em até seis anos e dos serviços de esgoto em até oito anos.
Por não haver infraestrutura onde mora, Teixeira sempre conviveu com o esgoto, mas um projeto do governo de Alagoas, chamado “Vida Nova nas Grotas”, canalizou o córrego que havia próximo a sua casa, deixando as águas correrem até um esgoto maior localizado na principal via da comunidade — o que não resolve a situação dos moradores. O lixo é recolhido três dias na semana, mas quando chove a situação da comunidade piora. O ambulante reclama por não ter coleta seletiva.
“Deveria ter um ponto de coleta, com cada recipiente no seu devido lugar, além da necessidade de se ter educação ambiental. Com isso todos saem ganhando, não só a comunidade”, afirma.
Os impactos do ausência de saneamento
A água potável e saneamento é a sexta meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Brasil. Até 2030, o país precisa assegurar entre as metas, a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento, alcançar o acesso universal à água potável e segura, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos.
Nathália Nascimento, mestranda em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), explica que o saneamento básico está ligado ao meio ambiente e a sua ausência contribui para a geração de doenças e a falta de qualidade de vida dos habitantes da periferia.
“É importante pensar em saneamento básico como uma política pública de saúde porque vai ser possível diminuir o acometimento de doenças por parte da população dessas localidades”, salienta a especialista, que ainda destaca que a ausência do tratamento da água e esgoto também acarreta na contaminação da água e do solo.
Nascimento atribui a falta de investimento dos governantes neste tipo de obra porque é um serviço que não é visto pela população, como a construção de escolas, hospitais e rodovias. Ao mesmo tempo que o acesso ao saneamento está diretamente ligado não apenas a classe social, mas também a raça, já que a maioria dos habitantes das periferias são negros que vem sofrendo no Brasil com a falta de acesso há muito tempo.
Racismo Ambiental: negação do acesso a serviços tem cor e ela é preta
A especialista também se debruçou a estudar em 2020, como as faces do racismo ambiental urbano vão promover consequências para moradores das comunidades da orla lagunar, localizada no bairro Vergel do Lago, parte baixa de Maceió (AL), no trabalho de conclusão da pós-graduação em Cidades e Planejamento Urbano da Faculdade de Administração, Ciência e Educação (FAMART).
O termo racismo ambiental surgiu a partir do sociólogo, ativista e pesquisador Robert Bullard, que é conhecido como o precursor da Justiça Ambiental. O estudioso conceitua como qualquer política ou prática que possa afetar ou prejudicar ou prejudicar, de maneira voluntária ou não, pessoas, grupos ou comunidades por motivos de raça.
Tanto a exemplo dos moradores da Grota do Cigano ou das comunidades da orla lagunar, Nascimento explica que o racismo ambiental se caracteriza por serem negados os direitos básicos para a qualidade de vida dessa população.
“São anos em que os políticos negligenciam condições mínimas, seja acesso ao saneamento básico, à saúde ou ao direito de usufruir sua própria cidade. É nítida a diferença do estilo de vida que a classe média alagoana leva e a vida dos que estão à margem da sociedade e da lagoa. É visível também o tom de pele de quem é excluído”, defende.
O Censo de 2010 realizado pelo IBGE reforça o racismo ambiental e a ausência do saneamento básico para a população negra que habitam as periferias do país, já que em relação a falta de acesso ao abastecimento de água, 61% dos negros não tem acesso, ante 37% dos brancos estão na mesma situação.
No tocante a coleta de resíduos, 67% dos negros não tem acesso e apenas 30% dos brancos não tem essa cobertura. A ausência de cobertura de esgotamento sanitário corresponde a 58% da população negra, enquanto a branca representa 40% dessa população.
Catadores auxiliam na coleta de resíduos sólidos
Após a desativação do lixão da capital alagoana em 2010, localizado no bairro Jacarecica, litoral norte da cidade, os catadores se reuniram para criar a Cooperativa dos Catadores da Vila Emater (CoopVila), que é responsável por recolher semanalmente materiais recicláveis em condomínios e instituições públicas e privadas.
A coleta seletiva auxilia na redução de impacto ambiental, contribuindo para uma melhor qualidade de vida de toda a população, principalmente dos moradores de periferia, que são os mais afetados com o descarte inadequado de resíduos sólidos.
“Alagoas é referência nesse tipo de atividade, além de que isso traz o sustento para muitas pessoas periféricas, em sua maioria gritante, as mulheres. Elas fazem a triagem de separação de resíduos e encaminham os resíduos recicláveis para empresas que possam vim a tratar e se utilizar desse resíduo”, acrescenta.
* Grota é o termo popularmente utilizado em Maceió para as favelas localizadas nas formações geográficas características da geomorfologia da cidade. As grotas de Maceió são ravinas ou vales sinuosos que cortam todo o território das cotas mais altas do município – o chamado “tabuleiro” – e que funcionam como calhas naturais de escoamento de águas pluviais que caem nessa região e seguem para a planície litorânea e lagunar localizadas nas cotas mais baixas da cidade. Por terem esse papel ambiental fundamental, constituem-se como territórios sensíveis e estratégicos para a cidade. Fonte: Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis – 2020.
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