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Entre crianças pretas menores de 5 anos, risco de morte é 39% maior

Pesquisa liderada pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) destaca o tamanho das desigualdades étnico-raciais na mortalidade infantil do Brasil

Imagem de um bebê negro dormindo nos ombros de uma mulher também negra.

Foto: Imagem: Zach Vessels/ Unsplash

27 de setembro de 2022

O risco de crianças pretas morrerem por causas evitáveis, como diarreia, pneumonia e má nutrição, é maior entre as crianças negras e indígenas. É o que apontam os dados do recente estudo publicado na edição de outubro do The Lancet Global Health, que evidencia as desigualdades étnico-raciais profundas encontradas na mortalidade infantil do Brasil.

A pesquisa liderada pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fundação Oswaldo Cruz da Bahia (Fiocruz Bahia) indica que, para as crianças filhas de mães pretas, há 39% a mais de risco para que a vida seja interrompida antes mesmo dos 5 anos. O estudo observa que diarreia, má nutrição e pneumonia são algumas das doenças mais associadas às mortes de crianças com essa idade.

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Em relação ao estudo se concentrar na faixa etária dos menores de 5 anos, a pesquisadora associada ao Cidacs/Fiocruz Bahia Poliana Rebouças explica que crianças menores de 5 anos são mais vulneráveis e estão sob maior risco de adoecerem por causas mais ligadas às condições sociais de seus pais ou cuidadores.

“Como se trata de um estudo sobre desigualdade em saúde, resolvemos investigar como as desigualdades raciais afetam a saúde deste grupo”, destaca a pesquisadora Poliana Rebouças, que liderou a pesquisa.

Quando se pensa na causa da morte das crianças pretas, há duas vezes mais risco delas morrerem por má nutrição. Além disso, o risco de crianças pretas morrerem por diarreia é 72% maior e por pneumonia é 78% maior quando comparado com as chances em crianças nascidas de mães brancas. Considerando as causas acidentais, as crianças filhas de mães pretas têm 37% mais risco de morrerem do que os filhos de mães brancas.

De acordo com informações da Fiocruz sobre o estudo, entre as crianças indígenas, há 14 vezes mais chances de morrerem por diarreia, 16 vezes mais chance de morrerem por má nutrição e a pneumonia chega a afetar a vida das crianças indígenas 7 vezes mais. Além disso, crianças de mães indígenas têm 74% mais risco de morrerem por causas acidentais do que as de mães brancas.

“De janeiro a agosto de 2019, morreram 16 crianças indígenas de Alto do Rio Purus, no Acre, a mais nova tinha um mês. Todas por diarreia. O caso chama atenção e a ciência mostra que esta não é uma crise rápida, mas uma condição crônica decorrente da condição de vida e saúde das crianças indígenas brasileiras”, destaca publicação da Agência Fiocruz.

A pesquisa também destaca que a prematuridade é um fator de maior prevalência entre as crianças indígenas, já que está presente em 15% dos nascimentos. Ou seja, para cada dez bebês, mais de um nasceu antes do tempo. Estes bebês indígenas nasceram com menos de 2,5 kg em 90% dos casos.

De acordo com a pesquisadora Poliana Rebouças, provavelmente isso está associado ao pior acesso a cuidados pré-natais e ao pior acompanhamento da saúde das gestantes neste grupo. “Mas é preciso investigar mais a fundo, pois podem existir fatores que sequer foram observados ainda nesta relação e que precisam ser cuidadosamente analisados”, pontua.

Contexto das mães

O estudo observou 19,5 milhões de crianças nascidas entre 1º de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2018. A partir dessa amostra coletada do Sistema de Nascidos Vivos (Sinasc), conferiu-se quantas e quais dessas crianças também apareceram no Sistema de Mortalidade (SIM). Os dados extraídos em 2020 constataram que 224.213 crianças menores de 5 anos foram encontradas no SIM.

A pesquisa também se atentou ao perfil das mães das crianças analisadas. Entre as variáveis observadas, 52% das mulheres pretas apresentavam estado civil solteira e foram 45% das mulheres pardas, 43% das indígenas e 35% das brancas.

Entre as mulheres com quatro filhos (três filhos vivos na hora do parto e o que está nascendo), as mulheres indígenas lideram com 34%, as pretas com 14%, as pardas com 12% e as brancas com 6%.

O estudo também observou as mulheres que não realizaram o número recomendado por organizações de saúde para as consultas de pré-natal. O grupo que menos esteve sob estes cuidados foi o das mães indígenas, em que quase um terço (29%) delas fez metade do recomendado, ou seja, realizou 3 consultas. Essa proporção entre pretas e pardas foi igual, 11%, e entre as brancas apenas 5%.

O estudo usou informações das crianças e das mães que são disponibilizadas pelo Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos), tais como raça/cor, local em que vive, escolaridade da mãe, se está em um relacionamento estável no momento do parto, quantas consultas de pré-natal foram realizadas, entre outros dados.

Leia mais: Marcas da violência obstétrica atingem majoritariamente as mulheres negras

Desigualdades que desestruturam a saúde infantil

Segundo a líder do estudo Poliana Rebouças, para entender como as desigualdades afetam a saúde de qualquer grupo populacional, é necessário entender seus determinantes, ou seja, as condições em que as pessoas nascem, crescem, trabalham e vivem. Além disso, deve-se levar em conta as desigualdades destes determinantes entre os grupos populacionais.

“No caso das crianças, é necessário considerar as condições de vida dos pais ou adultos cuidadores/familiares, pois elas dependem totalmente das circunstâncias materiais e imateriais nas quais estão inseridas”, destaca a pesquisadora à Alma Preta Jornalismo.

Um exemplo desses determinantes ressaltado por Poliana seria o contexto material vivido pela criança, como habitar um domicílio em condições inadequadas, com falta de saneamento e superlotação, o que pode oferecer riscos para doenças transmissíveis como diarreias e gripes. Sobre as circunstâncias imateriais, nelas se inserem a saúde mental dos cuidadores, seus comportamentos de saúde, a forma como exercem a parentalidade, a coesão da comunidade onde vivem, que pode ser um recurso de apoio aos pais/cuidadores e família.

“O Brasil, país que tem sua sociedade historicamente construída sobre bases racistas, tem o racismo exercendo forte influência sobre toda esta cadeia de determinação social da saúde. Com isso, temos uma população indígena, preta e parda vivendo em condições sociais piores do que as pessoas brancas em geral, tanto em relação aos fatores materiais quanto aos imateriais, incluindo barreiras de acesso aos serviços mais básicos”, pontua a pesquisadora.

De acordo com a líder do estudo, embora as demandas dos movimentos sociais no Brasil sejam antigas, a pressão para incluir as questões étnico-raciais na agenda das políticas públicas de saúde é contínua. Ela conta que os esforços têm se concentrado na implementação da Política Nacional de Saúde Integral dos Povos Indígenas desde 2002 e a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra desde 2006, que, no entanto, ainda contam com recursos limitados.

“Os achados deste estudo podem ser somados a outros esforços para reforçar a necessidade de políticas públicas de saúde equânimes, que incluam uma agenda priorizando a saúde da criança preta, parda e da criança indígena”, finaliza.

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