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Especialistas apontam padrão de violência policial contra imigrantes africanos no Brasil

Em entrevista, sociólogo e ativistas destacam racismo estrutural e falhas na aplicação da Lei de Migração; morte de ambulante senegalês pela Polícia Militar reacendeu debate sobre a violência contra imigrantes
Manifestação na Praça da República, em São Paulo, por justiça para o imigrante senegalês Ngange Mbaye, em 14 de abril de 2025.

Manifestação na Praça da República, em São Paulo, por justiça para o imigrante senegalês Ngange Mbaye, em 14 de abril de 2025.

— Paulo Pinto/Agência Brasil

15 de abril de 2025

A morte do ambulante senegalês Ngange Mbaye, de 34 anos, durante operação da Polícia Militar no bairro do Brás, em São Paulo, reacendeu denúncias de violência policial contra imigrantes africanos no Brasil. Mbaye foi baleado no abdômen, na última sexta-feira (11), após tentar defender colegas ambulantes durante uma abordagem. O caso gerou protestos no Brasil e no Senegal e foi classificado por veículos senegaleses como uma “tragédia não isolada”.

“Este caso da morte do senegalês Ngange Mbaye não foi isolado. Se torna um episódio emblemático como o do congolês Moïse e outros casos de violações de direitos humanos”, afirmou o sociólogo Alex André Vargem em entrevista à Alma Preta

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“Nos últimos anos no Brasil, há um conjunto de violências físicas e simbólicas contra imigrantes e refugiados negros, seja de violências perpetradas pela sociedade ou pelos agentes do Estado”, completou.

Vargem atua há mais de duas décadas com populações imigrantes e destacou que as violências contra essas pessoas persistem mesmo sob o marco da Lei de Migração, que reconhece os imigrantes como sujeitos de direitos.

Além de Mbaye, outro senegalês, Massamba Diop, sofreu agressões da polícia em janeiro de 2025, também na região do Brás. Ele foi atingido por uma arma de choque e chutado enquanto estava no chão. O procedimento cirúrgico não conseguiu remover totalmente o fragmento metálico da cabeça. 

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo acompanha o caso e a vereadora Amanda Paschoal (PSOL-SP) denunciou o episódio ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP).

Imagem de Ngange Mbaye, homem negro, senegalês, assassinado pela Polícia Militar de São Paulo.
O imigrante senegalês Ngange Mbaye foi assassinado pela Polícia Militar de São Paulo no dia 11 de abril de 2025. (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Racismo e xenofobia

A coordenadora de advocacy da ONG Missão Paz, Letícia Carvalho, criticou a omissão do Estado. “A morte de Ngange Mbaye, covardemente assassinado pela Polícia Militar, não é um caso isolado e está inserida na realidade do aumento da violência e da letalidade policial que o estado de São Paulo vem enfrentando desde o início da gestão atual“, afirmou à Alma Preta.

Ela alertou que, apesar da modernização da legislação migratória, “a ausência de políticas públicas que a implementem impede a garantia dos direitos conquistados”.

Segundo Carvalho, os desafios incluem acesso à moradia, saúde, educação e emprego. “No caso de imigrantes e refugiados negros africanos, somam-se o racismo estrutural e institucional que os exclui de políticas públicas e os torna alvo de violência extrema e até da morte.”

A Organização das Nações Unidas (ONU) já havia alertado, em 2022, sobre a violência contra imigrantes africanos no Brasil. Em carta enviada ao governo, relatores das Nações Unidas afirmaram que “a discriminação racial sistêmica e a violência racista contra migrantes, refugiados e requerentes de asilo foram exacerbadas nos últimos anos” e apontaram “expulsões coletivas, deportações arbitrárias e assassinatos” como práticas recorrentes.

Audiência pública amplia denúncias

Antes da morte de Ngange Mbaye, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) já havia realizado uma audiência pública para discutir a escalada de violência policial contra imigrantes africanos e ambulantes.

O evento foi convocado pela Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos, com apoio da SOS Racismo, e teve como um de seus focos a atuação da Polícia Militar na chamada Operação Delegada.

A Operação Delegada, parceria entre a prefeitura de São Paulo e a Polícia Militar, foi alvo de críticas por práticas como invasões de domicílios sem mandado judicial, apreensões ilegais, abuso de autoridade, ameaças, racismo e assassinatos. 

Na ocasião, a morte do senegalês Serigne Mourtalla Mbaye, de 38 anos, após supostamente cair do 6º andar de um prédio durante a uma ação ilegal da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMSP) no centro de São Paulo, foi o pontapé para discussões sobre a Operação Delegada.

A deputada estadual Mônica Seixas (PSOL-SP) comparou os episódios aos casos de violência nos Estados Unidos. Para o deputado Eduardo Suplicy (PT-SP), a operação representa um entrave ao desenvolvimento social das comunidades imigrantes.

Reação internacional e exigência de responsabilização

No Senegal, a morte de Mbaye repercutiu amplamente. A ministra senegalesa de Integração Africana e Negócios Estrangeiros, Yassine Fall, declarou que medidas estão em curso para esclarecer as circunstâncias da morte.

Especialistas e organizações cobram responsabilização das forças de segurança. “É necessário que o sistema de justiça funcione e os órgãos de controle das forças de segurança pública, como o Ministério Público do Estado de São Paulo e os organismos internacionais, atuem de fato para que os direitos das pessoas não sejam violados”, concluiu Vargem.

A Missão Paz e outras entidades civis pedem o fim da impunidade, a desmilitarização das abordagens policiais em áreas com grande concentração de imigrantes e a implementação real da Lei de Migração.

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  • Giovanne Ramos

    Jornalista multimídia formado pela UNESP. Atua com gestão e produção de conteúdos para redes sociais. Enxerga na comunicação um papel emancipatório quando exercida com responsabilidade, criticidade, paixão e representatividade.

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