No segundo ano da graduação e prestes a realizar uma bolsa de pesquisa em Harvard, universitário foi acusado por funcionários do estabelecimento de ter participado de um assalto e ouviu que “não tem cara de estudante de medicina”
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Google Street View
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O estudante de medicina Márcio Henrique de Oliveira, de 22 anos, se preparava para pagar as compras feitas em um mercadinho na cidade de Uberlândia, em Minas Gerais, quando foi cercado pelo açougueiro, pelo segurança e pelo caixa do estabelecimento, que o acusaram de ter participado de um assalto no local, na manhã daquele dia.
Márcio tentou explicar que estuda medicina na Universidade Federal de Uberlândia, que fica há duas ruas de distância do mercadinho, e por isso não teria nenhum motivo para assaltar o estabelecimento. Os funcionários insistiram na denúncia sem provas e disseram que ele “não tinha cara de estudante de medicina”. O jovem também foi impedido de sair do mercado até que as imagens das câmeras de segurança fossem checadas.
“A gente tem que denunciar atos racistas, que acabam com a moral das pessoas. Vivemos numa sociedade racista. Isso não pode passar batido. Não se calando em situações de injustiça é a melhor maneira de lutar contra isso”, diz o universitário. Em 2021, Márcio viajará para os Estados Unidos para fazer um curso na Universidade de Harvard.
O caso aconteceu no Mercadinho Umuarama, localizado na avenida Brasil. O estudante chamou um amigo e também a polícia para denunciar o crime de racismo. Segundo ele, os três funcionários que o cercaram e fizeram a acusação de assalto eram brancos.
Na delegacia o caso foi registrado como injúria racial. Os policiais militares que atenderam a ocorrência não prenderam ninguém. O funcionário, segundo a polícia, tinha ido embora do local, porém, o estudante e o amigo relatam que ele se escondeu nos fundos do mercado para evitar o flagrante.
“Os policiais disseram na hora que não seria racismo ou injúria racial. Se fosse racismo, de acordo com os policiais, o mercado não deixaria ele nem entrar na loja. Isso é um completo equívoco do ponto de vista jurídico porque a vítima está falando que houve o ato de racismo, ela se responsabiliza pela denúncia”, explica o advogado de defesa da vítima, Ariston Pereira de Sá Filho.
Segundo o advogado do estudante, o procedimento dos policiais ocorreu fora do padrão legal. “Em um primeiro momento, os policiais não tinham razão para desconfiar do que a vítima estava falando. O procedimento técnico-jurídico deveria ter sido os policiais levarem o segurança até a delegacia, ele ser preso em flagrante por injúria racial e o delegado encaminhar o auto de prisão. Também deveria haver uma audiência de custódia para o juiz decidir se mantém a prisão ou libera o autor do crime para responder em liberdade, mas não foi o que aconteceu”, reforça Sá Filho.
A defesa da vítima abriu dois processos relacionados ao caso de racismo. Um criminal em decorrência da denúncia de injúria racial e outro de ato ilícito passível de indenização na Justiça Civil contra os donos do mercadinho. O advogado solicitou uma indenização de R$ 100 mil por danos morais.
Ainda segundo Sá Filho, existem muitos entraves para conseguir levar adiante uma denúncia de racismo no Brasil, que por lei é um crime inafiançável. “Depende muito da interpretação, que muitas vezes pode ser problemática na atuação policial. Existem diferenças entre racismo, injúria racial e constrangimento ilegal. Pode ocorrer uma confusão, às vezes até intencional, onde a gravidade do fato é amenizada”, detalha.
O advogado acrescenta que há uma nova situação onde pode ser feita uma avaliação mais consistente do fato. “Na audiência de custódia, que acontece em até 24 horas após a prisão, tem um promotor, um advogado e um juiz, todos com amplo conhecimento e a avaliação técnica é menos confusa para enquadrar o que aconteceu na norma penal”, diz.
Os dois processos abertos pela defesa da vítima seguem na Justiça mineira. Em nota enviada ao Alma Preta, o Mercadinho Umuarama diz que “lamenta a versão apresentada pelo consumidor que se diz vítima de injúria racial”.
Segundo a nota, “a empresa repudia qualquer tipo de discriminação de raça, gênero ou religião e se coloca à disposição das autoridades para que a verdade seja esclarecida”. O estabelecimento acrescenta ainda que “em 27 anos de existência, jamais foi alvo de qualquer denúncia e sempre foi conhecido por sua conduta ética e respeito aos clientes”.
Texto atualizado às 12h28 de 16 de setembro de 2020 para a inclusão do posicionamento do Mercadinho Umuarama.