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Homem negro é baleado por PM em SP após deixar filha na creche: ‘Sabemos que é racista’

Caso foi registrado como lesão corporal decorrente de violência policial no bairro da Bela Vista
Imagem mostra agentes da Polícia Militar de São Paulo fortemente armados.

Foto: Reprodução

27 de agosto de 2024

Um homem negro foi levado ao Hospital das Clínicas após ser baleado por um agente da Polícia Militar (PM) durante abordagem violenta no bairro da Bela Vista, em São Paulo, na terça-feira (20). O caso foi registrado como lesão corporal decorrente de violência policial no 78º Distrito Policial (Jardins).

Em entrevista à Alma Preta, o vendedor ambulante baleado, Lúcio de Medeiros (35), relatou que ele e seu cunhado, Lincon Pereira (28), haviam acabado de deixar seus filhos na creche São Francisco de Assis, na rua Almirante Marques Leão, próximo à Avenida Paulista, quando foram abordados por uma viatura policial.

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“Foi um dia bem atípico. Levantei de manhã cedo, como todos os dias, arrumei a minha filha e levei ela na creche. Mas, jamais achei que ia me deparar com a situação que aconteceu comigo”, narra a vítima, pai de uma menina de dois anos. 

Segundo o testemunho, a abordagem, apesar de comum na região, foi considerada suspeita pelas vítimas por não haver nenhuma ação policial no momento. Lúcio conta que os agentes viram os dois homens saindo da creche e, mesmo assim, resolveram se aproximar

“Na hora que eles pediram para a gente encostar na parede eu gentilmente encostei, meu cunhado também, porém um deles já chegou agressivamente, sendo bem hostil na forma de se expressar conosco”, conta o vendedor. “De tão alterado que o cara estava, de primeira ele já grudou o meu cunhado no pescoço”, detalha. 

Como forma de defesa, o vendedor esclareceu que eles eram “trabalhadores e pais de família”, e tinham, inclusive, deixado quatro crianças, de dois a cinco anos, na escola próxima. O pedido, no entanto, não foi suficiente. Agitado, o agente ameaçou “passar com o carro por cima” de Lúcio e Lincon para encerrar o caso, segundo o relato das vítimas.

“O rapaz estava totalmente despreparado. Uma pessoa dessa jamais deveria utilizar uma farda da polícia militar, porque por puro racismo ele falou que ia passar por cima de mim. Onde já se viu passar por cima de um ser humano?”, questionou Lúcio.

PM atira em trabalhador desarmado

O paulista relatou que, após mais alterações, um dos agentes da polícia militar sacou a arma e mirou na direção de Lincon. Em um ato de desespero, Lúcio conta que levantou as mãos para o alto e pulou na frente da arma. “Eu disse ‘não senhor, não precisa disso não, somos homens, vamos conversar, pais de família, por favor, abaixa a arma’. Na hora que falei isso ele me deu um tiro”.

Segundo infomações do Portal do Bixiga, os moradores descreveram o ocorrido com indignação. Um deles afirmou ter visto Lúcio tentando dialogar com os policiais antes de ser baleado, enquanto outro cidadão relatou que ouviu gritos e viu o desfecho em poucos segundos, com o policial disparando rapidamente.

Lúcio foi baleado na região abdominal e levado ao Hospital das Clínicas, onde passou por duas cirurgias. Ele está em processo de recuperação após ter recebido alta nesta segunda-feira (26).

“Senti a dor, caí no chão e comecei a passar mal. Desmaiei. Quando acordei, me deparei com aquela cena triste e lamentável que todos os negros sempre presenciam: uma mulher preta deitada ao lado de um corpo baleado pedindo a Deus para não atirar”, relatou Lúcio. A mulher era a sua mãe, conhecida como Plá.

O cunhado de Lúcio, Lincon, ainda teve voz de prisão decretada pelos policiais e foi levado ao 78º Distrito Policial (Jardins), mas foi solto após intervenção do advogado de defesa, que precisou provar a inocência do trabalhador.

“Quando eles deram voz de prisão para nós, ele [Lincoln] imediatamente pediu para avisar a minha mãe que estávamos sendo abordados. Conhecendo a polícia militar, que todos nós sabemos que é racista, de imediato ela saiu de casa”, relata. 

“Hoje em dia, vejo uma viatura e tenho medo. Já falei para a minha mulher que eu não quero sair à noite, estou com o psicológico bem abalado, porque um dia você está normal, no outro dia você é hostilizado por uma pessoa que era para te proteger”, diz o vendedor ambulante. 

Em recuperação da cirurgia, Lúcio agradece a Deus por escapar de uma tragédia, mas teme pelo futuro da filha. “Sempre fiz todas as coisas pela minha família. Eu estava fazendo um ato de cidadania ao levar a minha filha para ela ter um futuro — o qual eles não querem que ela tenha — ao sair da creche e ser baleado. Isso aí para mim foi o fim”, desabafa Lúcio.

Polícia Militar comunicou que vai apurar os fatos

Segundo a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-SP), Lúcio teria tentado desarmar o policial durante a abordagem, o que resultou no disparo. Em nota à Alma Preta, a organização declarou que a Polícia Militar instaurou Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar os fatos. 

“O homem foi atingido após tentar tomar a arma do agente durante a abordagem policial na Rua Almirante Marques Leão, Bela Vista, na tarde de terça-feira (20). Ele foi socorrido ao Hospital das Clínicas. O caso foi registrado como lesão corporal decorrente de intervenção policial, desobediência e desacato pelo 78º Distrito Policial (Jardins)”, informou a corporação.

Dados compartilhados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) em maio deste ano, denunciam um aumento exponencial nas mortes causadas pela Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMSP). Somando os óbitos em ações policiais e os causados por oficiais de folga, 211 pessoas foram mortas apenas nos três primeiros meses do ano.

Separadamente, foram 179 mortes de civis em operações da PMSP e 32 óbitos por agentes fora de serviço. O número de mortos em operações é cerca de 138% maior do que o último ano, que teve com 75 ocorrências.

  • Mariane Barbosa

    Curiosa por vocação, é movida pela paixão por música, fotografia e diferentes culturas. Já trabalhou com esporte, tecnologia e América Latina, tema em que descobriu o poder da comunicação como ferramenta de defesa dos direitos humanos, princípio que leva em seu jornalismo antirracista e LGBTQIA+.

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