As quatro alterações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (Sem partido) nos decretos sobre compra, posse e porte de armas de fogo possuem um público alvo bem definido: homens brancos e de classe média, conforme destaca a gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Nathalia Pollachi. “A alteração dos decretos vem para um público muito específico, mas que compõe a base do governo”, diz a especialista da entidade voltada para implementação de políticas públicas de segurança eficientes e pautadas por valores democráticos e pelos direitos humanos.
A flexibilização do armamento foi uma das principais promessas de Bolsonaro enquanto candidato à presidência em 2018. Como as medidas adotadas pelo chefe do Executivo se tratam de decretos não precisam passar por nenhum envolvimento do Legislativo – Câmara e Senado.
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Os decretos 10.030/2019, 9.845/2019, 9.846/2019 e 9.847/2019 dão aval para o porte velado de armas para os CACs (Caçadores, atiradores e colecionadores), que têm acesso a armamentos mais potentes do que é permitido para defesa pessoal. Nathalia explica que as medidas são preocupantes. “Antes eles só poderiam ter o porte de arma entre a rota entre a casa e o clube, por exemplo. Agora os CACs podem circular com elas em qualquer horário, em qualquer parte da cidade”, destaca.
Além disso, entre as mudanças feitas por Bolsonaro, está a ausência de regulamentação para a produção de projéteis e máquinas de recarga. “Ele está desregulamentando a fabricação de munições e potencializa muito a letalidade”, aponta a especialista do Instituto Sou da Paz. A interpretação feita pela entidade é de que se trata de “uma flagrante ampliação porque contraria o espírito das leis”.
Impactos na população negra
De acordo com os dados do Anuário de Segurança Pública, estudo elaborado pelo Fórum Brasíleiro de Segurança Pública (FBSP), no primeiro semestre de 2020 houve um crescimento superior a 120% no registro de armas entre CACs. Neste mesmo cenário, entre os homicídios no Brasil, 70% são feitos com arma de fogo e 75% têm como vítimas pessoas negras.
“São verdadeiros arsenais na casa das pessoas, sendo que alguém pode comprar até 60 armas. Isso vai atrair pessoas oportunistas para desviar essas armas. Essa criminalidade alimenta toda essa violência armada que tem como principal vítima a população negra”, analisa Nathalia.
A articulação da sociedade civil e de membros de movimentos e organizações que atuam na manutenção do Estatuto de Desarmamento, que sofreu alterações em 2003, é essencial para frear a política de armamento no país. Nas favelas do Rio de Janeiro, a ativista Patrícia de Oliveira conta que a comunicação com os moradores a respeito do assunto foi reforçada.
“A gente tem gravado áudios para mandar no WhatsApp, para alertar as pessoas, explicando sobre o assunto. As pessoas mais leigas acabam caindo no discurso e sabemos que quanto mais armas e balas de fogo circularem, mais violência vamos ter”, diz a integrante da Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado e do Movimento Contra a Violência nas favelas do Rio de Janeiro.
O Instituto Sou da Paz, junto às autoridades que questionam os novos decretos do presidente Bolsonaro, devem pressionar os órgãos públicos que podem interferir na decisão, como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). “A pressão será feita de forma online E envolvendo todas as segmentações da sociedade”, conclui Nathalia.