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Jovem negro dependente químico é liberado de clínica sem documentos

Carlos [nome fictício], de 19 anos, estava em um centro de tratamento da rede pública de Saúde, em São Paulo; ele foi liberado próximo da Cracolândia e, segundo uma familiar, exposto ao risco de recaída 

Ilustração de um jovem negro com um papel em uma das mãos.

Foto: Ilustração: Alma Preta

14 de abril de 2022

Aos 19 anos, o jovem negro Carlos* abandonou os estudos por causa do uso de entorpecentes e luta contra a dependência química. Na fase mais grave do vício, ele chegou a roubar a cadeira de rodas da avó, com quem vivia em Itanhaém, no litoral paulista, para trocar por R$ 5 e comprar crack. Por causa disso, ele foi ameaçado por traficantes e sua família decidiu interná-lo em uma comunidade terapêutica privada em São Paulo.

A tia de Carlos, que mora em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, decidiu procurar um tratamento para o sobrinho na rede pública de saúde depois de saber que ele era maltratado na clínica particular e sofria abusos e violações de direitos. 

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Na noite de 7 de abril, ela foi com o jovem até o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod),  no Bom Retiro, região da Luz, no centro de São Paulo. O local funciona 24 horas.

“Ele foi atendido, fizeram uma conversa, deram medicação e contaram que ele ficaria ali até que fosse encontrada uma vaga. Ele vestiu a camisola de paciente. Eu deixei os meus contatos e avisei que ele não conhecia nada da cidade. Saí de lá no final da madrugada de quinta para sexta”, conta a tia de Carlos.

Segundo o jovem, no dia seguinte ele foi levado para realizar exames no Hospital Lacan, em São Bernardo do Campo, e depois retornou ao Centro de Referência, no centro da capital. 

Jovem foi liberado do centro de tratamento sozinho, sem documentos e sem dinheiro

Já no sábado quando a tia foi até o local para visitá-lo, Carlos não estava mais lá. “Eu passei em uma loja no metrô e comprei um kit de três cuecas para ele. Tinha tentado ligar mais cedo para saber se já tinham levado ele para algum hospital ou se estava lá ainda. Não consegui falar com ninguém, então fui pessoalmente achando que ele ainda estaria lá”, conta.

Como não achou  sobrinho, que estava sem dinheiro e sem nenhum documento, a tia entrou em contado com a Polícia Militar. “O PM que atendeu a ocorrência pediu para eu me acalmar e foi lá tentar descobrir o que aconteceu. O policial voltou e disse que, segundo o relatório, o rapaz tinha ido para lá como voluntário e podia decidir a hora de sair. Ele foi dispensado com uma carta, que supostamente serviria para ele conseguir uma carona para voltar para casa”, explica a tia.

O jovem foi liberado, mas não sabia como se locomover na cidade, além disso ele estava muito próximo da Cracolândia, região de grande concentração de dependentes químicos. A tia conta que ele foi exposto a um risco de recaída. “É uma situação terrível”, comenta.

Carlos chegou na casa da tia apenas no dia 10 e muito debilitado. Em conversa com a Alma Preta Jornalismo por telefone, o jovem relata que na porta do Cratod encontrou uma pessoa e que foram juntas, de metrô, até o Jabaquara, zona sul da cidade.

No metrô, segundo o jovem, não queriam que ele ficasse lá e a carta do centro de referência não garantiu que ele e a pessoa que ele encontrou na rua tivessem direito de acessar o transporte público de forma gratuita. Os dois tiveram que passar por baixo da catraca para conseguir pegar o metrô. Ele contou que ainda na zona sul uma mulher emprestou para a dupla um bilhete único [cartão de transporte] para pegar um ônibus.

O Cratod, por sua vez, informou que “lamenta o ocorrido” e que está à disposição para “seguir o atendimento, visando a garantia de seus cuidados”. O centro de referência também disse que entrará em contato com o paciente e seus familiares.

O que diz o Estado

Em nota encaminhada para a reportagem, o Cratod, órgão ligado à Secretaria de Estado da Saúde (SES), esclareceu que o paciente compareceu à unidade, onde foi acolhido e encaminhado ao Hospital Lacan, referência para o caso. Após avaliação, o hospital constatou que o paciente não atenderia ao perfil para internação, uma vez que já estava há 30 dias sem o uso de substâncias psicoativas.

De acordo com a nota, “o Cratod ofertou ao paciente a permanência no serviço e o posterior encaminhamento para Casa de Passagem ou comunidade terapêutica. Mas o paciente, que não apresentava sintomas que intereferiam em sua capacidade crítica, insistiu em deixar o local. A equipe tentou contato com a familiar do paciente, porém sem êxito e ele recebeu alta no dia 9 de abril, com seus pertences pessoais”.

Sobre o procedimento de alta, a nota diz que “em nenhum momento o paciente foi orientado a utilizar algum documento para tentar obter gratuidade no transporte público, entendendo que este não é um recurso adequado. Além disso, no Cratod não foi aplicada nenhuma medicação injetável, apenas foram prescritas medicações orais”.

Entre sábado e domingo, a família suspeita que o jovem Carlos tenha passado a noite na casa dessa pessoa que ele encontrou na saída do Cratod.

(*) O nome do jovem foi alterado a pedido da família para preservação de sua identidade.

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