O vídeo de um homem negro amarrado e carregado por policiais militares viralizou e gerou um debate sobre violência racial no país. Robson Rodrigo Francisco, vítima da ação policial no dia 4 de junho, teve um pedido de prisão preventiva decretado pela juíza Gabriela Bertoli.
A decisão foi dada em 5 de junho durante a audiência de custódia, ocasião em que é feita a checagem de indícios de tortura durante o aprisionamento da pessoa. Segundo informações do processo judicial, até o momento sessão, não havia menção à tortura, declaração da vítima, tampouco inserção das provas audiovisuais que mostravam o homem sendo carregado.
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Logo, para Gabriela Bertoli, “não há elementos que permitam concluir ter havido tortura ou maus-tratos” e a prisão em flagrante se tornou em preventiva”. Acusado de roubar produtos em um supermercado, o homem teve a prisão preventiva decretada por não ter residência fixa e cumprir pena em regime aberto.
Em resposta à Alma Preta Jornalismo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reitera que os vídeos da violência sofrida por Robson Rodrigo Francisco só foram acrescentados ao processo após audiência de custódia.
“Posteriormente, a Defensoria Pública protocolou pedido de juntada dos vídeos. Diante disso, foi determinada remessa de cópia dos autos à Corregedoria da Polícia Militar e ao Tribunal da Justiça Militar para apuração”, destaca o TJ-SP.
O habeas corpus, solicitado pela defesa de Robson, foi negado, portanto, ele ainda está detido em prisão preventiva.
Não é um caso isolado
A decisão de Gabriela Bertoli não foi a primeira da juíza contra pessoas pobres e negras. A reportagem levantou um compilado de situações em que a magistrada determinou prisões preventivas em casos que envolvem pessoas negras.
Em 8 de julho de 2022, Gabriela determinou a prisão preventiva de Riquelme Antunes, jovem negro morador da Brasilândia, zona norte de São Paulo. Riquelme e outras quatro pessoas são acusadas de cometer um sequestro e roubar uma pessoa, na noite de 6 de julho nos arredores de sua casa. O boletim de ocorrência foi registrado na madrugada do dia 7 de julho de 2022, no 72° Distrito Policial da Vila Penteado pela delegada Gisele Rocha.
A família diz que Riquelme estava com os amigos e outras pessoas da comunidade na Escola Cecília Moraes de Vasconcelos, ponto de reunião dos moradores da região, e voltava para a casa quando foi abordado por policiais militares.
“Quando ele se deparou com o portão do vizinho aberto e chamou o amigo dele, ele decidiu entrar. Nessa que meu filho entrou na casa, havia um monte de policiais. Eles prenderam meu filho. Até hoje eu não entendo”, conta Viviane Madeira, mãe do jovem. O juiz Paulo Eduardo Costa absolveu Riquelme Antunes das acusações por falta de provas, no dia 23 de fevereiro de 2023.
No dia 12 de abril de 2022, a juíza Gabriela Bertoli pediu a prisão preventiva de Lélia* pelo furto de cinco livros infantis. A mulher foi enviada para um presídio em São Paulo. Desempregada, ela alega ter pego os itens da marca Barbie para presentear a filha de 14 anos.
O caso aconteceu no dia anterior no Terminal de Ônibus do Tatuapé, na zona leste da cidade. A funcionária responsável pela biblioteca e o segurança da estação desconfiaram de Lélia e a abordaram. Quando ela foi questionada, assumiu ter pego os livros e se ofereceu a devolvê-los. Lélia foi cercada pelos dois, que chamaram a polícia. O caso foi registrado na 10° delegacia de polícia da Penha, pela delegada Tarsila Fernandes.
Gabriela também foi a responsável por analisar parte do caso de uma manifestação na estátua de Borba Gato, incendiada em forma de protesto por um grupo de pessoas. Na época, 21 de agosto de 2021, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ribeiro Dantas, chegou a deferir a liminar em habeas corpus para revogar a prisão preventiva do motoboy Paulo Roberto da Silva Lima, conhecido como Galo de Luta.
A liminar foi decretada logo após o fim da prisão temporária a que ele estava submetido. Mesmo com a decisão, a juíza de São Paulo determinou a prisão preventiva do entregador de aplicativo.
Rendimentos e diferença no tratamento com quem tem dinheiro
Gabriela Bertoli já recebeu R$ 263 mil em pagamentos brutos desde o início deste ano como juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Os pagamentos líquidos, quando retirados os impostos, somam R$ 203 mil. Somente em maio, ela recebeu R$ 61 mil brutos, o que gerou uma receita líquida de R$ 49 mil.
O peso das decisões da juíza contra pessoas pobres e negras muda de tom e ganha maior leveza em casos relacionados a vítimas brancas e com dinheiro.
Reportagem publicada pelo Estadão mostrou que a juíza determinou que quatro perfis, que se utilizavam da #DoriaCorrupto, fossem retirados do ar por exceder o direito da liberdade de expressão. Na época, João Dória era governador de São Paulo e era acusado pelos manifestantes de tentar comprar a aprovação do projeto de lei que extinguia as autarquias em São Paulo durante a pandemia.
José Crespo (DEM), prefeito de Sorocaba, também foi beneficiado por uma decisão de Gabriela Bertoli. Na época, em junho de 2019, ele havia sido comparado, por um morador da cidade, ao personagem “Louco” da Turma da Mônica. A decisão de Gabriela Bertoli foi a condenação do morador a pagar um valor de R$ 6 mil.
Porém, um mês depois da sentença expedida por Gabriela Bertoli, Crespo teve o mandato cassado por supostas irregularidades na contratação de voluntários na prefeitura. Na decisão, a juíza entendeu que o “réu abusou de seu direito de liberdade de expressão ao exceder a crítica política que fazia ao autor, proferindo ofensas de cunho pessoal e atacando diretamente a sua dignidade e decoro”.
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