A diretora secretária-geral adjunta da OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo) Dione Almeida apontou a disparidade racial no sistema de justiça para a proteção das mulheres brasileiras. Primeira mulher negra a ser presidente interina da secional paulista, a advogada palestrou na 24ª edição da Conferência Nacional da Advocacia Brasileira.
“A lei não protege as mulheres negras da forma como protege as mulheres brancas”, afirmou Dione.
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Com o tema “Constituição, Democracia e Liberdades”, o maior evento jurídico do mundo retornou ao formato presencial no Expominas, em Belo Horizonte (MG), entre esta segunda (27) e quarta-feira (29).
Dione participou do painel sobre “Justiça de Gênero: Protagonismo da Mulher e as Carreiras Jurídicas”, que teve como presidente da tribuna a conselheira Federal por Santa Catarina (SC), Rejane da Silva Sanchez; a conselheira federal pela OAB de Minas, Núbia Elizabette de Jesus Paula, como relatora; e a conselheira federal pelo Amapá (AP), Sinya Simone Gurgel Juarez, como secretária da mesa.
Durante a sua exposição, a diretora secretária-geral da OAB SP falou sobre a temática “Necessidade da Perspectiva de Gênero com Recorte Racial”. Ela reforçou que a luta por respeito e igualdade de gênero e raça é diária. Como exemplo da ineficácia da lei quando envolve questões raciais, citou a discrepância dos números envolvendo violência contra mulheres.
“No ano de 2018, nós tivemos mais ou menos 450 mortes de mulheres brancas para 850 de mulheres negras. No ano de 2020, foram mais de 500 [mortes] para mulheres brancas e nós ultrapassamos 800 em números de feminicídios de mulheres negras. E não foi diferente no ano de 2021. Tivemos 500 feminicídios contra mulheres brancas e mais de 800 contra mulheres negras”, enumerou.
Como gênero e raça impactam em todas as relações sociais, não é diferente no trabalho, pontuou Dione.
“Uma mulher negra ganha, em média, 43% do que ganha um homem branco. Nós tivemos 56% de homens brancos em cargos de direção e gerência, para apenas 2,1% de mulheres negras. Temos uma mulher negra na prefeitura, como prefeita, para cada 15 homens brancos”, compara a especialista, atribuindo a razão deste cenário ao sistema de Justiça brasileiro, “que sempre nos quis ver pelas costas”.
Casos de repercussão
Para Dione, a mulher negra experimenta a justiça de uma forma muito perversa. Ela citou duas decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de grande repercussão, que demonstram, segundo as palavras da advogada, “o racismo científico e o formalismo jurídico feito para nos distanciar da entrega de justiça”.
Um deles é o caso da mulher negra Janaína Aparecida Quirino, de 2017, que sofreu uma laqueadura compulsória. O outro, em 2020, é de uma outra mulher negra, a manicure Kate Ana Belintani, de Araçatuba (SP), que teve a guarda da sua filha perdida, compulsoriamente, em razão de uma iniciação no candomblé.
“É uma coisa que nós falamos nesse protocolo, para julgamento, com perspectiva de gênero. E o que pensar é: qual a necessidade desse protocolo, com esse recorte?”, questionou.
A diretora da OAB-SP contextualizou que as pessoas costumam trazer as suas experiências de vida para julgamentos do dia a dia, o que vale também para o judiciário. “Eu acho que esse protocolo para julgamento, com perspectiva de gênero, colabora com o Estado, que tem falhado, miseravelmente, com o dever de entregar a justiça social para a mulher negra”.
“O Estado tem o dever de transformação social. Tem o dever de transformar o status dessas mulheres. O dever de promover, e não medir esforços, para que essas mulheres vivam livres de estigmas e de estereótipos”, concluiu.