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Líder comunitária assassinada acreditava na potência dos jovens das periferias de São Paulo

26 de agosto de 2020

Vera Lúcia da Silva Santos, conhecida como Tia Vera, fundou em 1992 uma associação em uma das regiões mais pobres da Zona Sul e que hoje atende mais de 2 mil crianças e adolescentes; após mais de um mês desaparecida, o corpo da liderança foi encontrado carbonizado

Texto: Juca Guimarães | Edição: Nataly Simões | Imagem: Reprodução/TV Globo

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No começo da década de 1990, o jardim Auri Verde, na região de Varginha, Extremo Sul de São Paulo, era um aglomerado de ruas de terra batida e quase sem infraestrutura do Estado. Essa era a realidade de diversos bairros da região na época. Foi lá que um grupo de moradores liderados pela empregada doméstica Vera Lúcia da Silva Santos fundou a associação Aury Verde, que ao longo dos anos passou a se chamar ONG Auri Verde.

No dia 18 de julho, o corpo de Vera foi encontrado carbonizado dentro do porta-malas do próprio carro. A líder comunitária estava desaparecida e a última vez que ela foi vista com vida foi no dia 16 de julho, por volta das 10h, quando saiu da sede da ONG. O Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) investiga quem são os assassinos e qual a motivação do crime.

Tia Vera, como ficou conhecida, tinha 64 anos de idade e era uma grande referência e liderança comunitária na região do Grajaú. Desde a organização do mutirão para construir a primeira sede da Auri Verde até os projetos de parceria com a Prefeitura e diversas empresas privadas. O filho da líder, Edson Passos, conta que a ONG surgiu para suprir uma necessidade de moradia das famílias que viviam nas áreas de mananciais entre as represas Guarapiranga e Billings. Depois, surgiram outras demandas educacionais e culturais para crianças e adolescentes pobres.

“Os moradores corriam risco de perder suas casas e a organização nasceu da luta por moradia. Uma vez resolvida essa questão junto aos órgãos públicos, surgiram outras questões como a necessidade de educação infantil e cultura e lazer para os jovens, com aulas de capoeira, hip hop e também cursos profissionalizantes. Minha mãe acreditava muito no potencial do indivíduo e a Auri Verde tinha na sua essência a adaptação às necessidades da comunidade”, explica.

ong auri verde

Vera Lúcia da Silva Santos fundou a associação Aury Verde, que ao longo dos anos passou a se chamar ONG Auri Verde. (Foto: Acervo/Auri Verde)

Incentivado pela mãe, Passos começou a dar aulas para crianças e adolescentes no local e depois para adultos que buscavam se alfabetizar. “Minha mãe me dizia: ‘ninguém é tão novo que não possa ensinar alguém’. Eu comecei a dar aulas na sede e comecei a entender na prática o papel dela naquele espaço. Eu participei de muitas histórias da organização ao lado dela e juntos também passamos muito perrengues”, recorda.

O filho da líder comunitária lembra que nos anos 90 ela participava de reuniões de uma instituição a fim de buscar apoio para os projetos na periferia e que em um dado momento ela comunicou que não poderia mais participar porque o tempo que levava para participar dos encontros a comprometia com as atividades assistenciais. “Um dia ela chegou em uma das reuniões e disse que não participaria mais porque não tinha dinheiro nem tempo. Ela disse ‘vou deixar uma panela vazia e uma colher de pau aqui para vocês se lembrarem de onde eu estou, que é atrás de comida para as crianças da creche’.”, relata Passos.

No dia seguinte, o presidente da instituição foi até à comunidade onde Vera atuava e firmou uma parceria, com uma doação de 200 mil reais para a Auri Verde. O dinheiro foi usado para a construção da sede da ONG.

A organização da líder comunitária levantou seis creches para crianças de zero a três anos, um centro comunitário, um centro para crianças e adolescentes de seis a 14 anos e uma escola. Ao todo, atualmente, a ONG conta com 130 colaboradores, que atendem mais de 2 mil crianças e suas famílias, inclusive durante a pandemia da Covid-19, o novo coronavírus.

Segundo relatos de amigos, Vera também cozinhava e a feijoada dela fazia sucesso nos eventos da AurI Verde. Ela também era uma articuladora e fomentadora de políticas públicas. Em 9 de maio, ela conduziu uma live para discutir sobre o futuro das organizações sociais em tempos de isolamento social.

Tia Vera nasceu na cidade de Taperoá, na Bahia, em 1956. Perdeu a mãe aos três anos de idade e foi adotada por uma família. No início da década de 1970, ela se mudou para São Paulo para trabalhar como empregada doméstica.

No velório, amigos e parentes distribuíram saquinhos de sementes e uma foto da Tia Vera como forma de homenagem e agradecimento pelo trabalho que mudou a vida de milhares de famílias durante mais de 30 anos. A liderança comunitária deixou cinco filhos.

O Alma Preta procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e questionou a evolução da investigação sobre o assassinato da vítima. Até a publicação deste texto, o órgão vinculado ao governo estadual não se posicionou.

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