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Um mês sem Moïse: uma morte marcada pela exploração do trabalho

O imigrante congolês era um trabalhador intermitente, modalidade prevista em lei após Reforma Trabalhista; segundo o MPT, a exploração caminha ao lado do racismo: "as empresas se colocam numa posição de conveniente cegueira deliberada"

 

ilustração do caso Moïse

Foto: Ilustração: Dora Gomes

24 de fevereiro de 2022

O trabalhador Moïse Kabagambe, de 24 anos, nascido no Congo e que vivia no Brasil desde 2014 como refugiado, foi brutalmente assassinado no dia 24 de janeiro, há um mês, por cobrar pagamentos atrasados no quiosque Tropicália, na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O linchamento de Moïse envolveu dezenas de pessoas tanto por agressão como por omissão de socorro. Sua morte também é marcada pela exploração das relações de trabalho e do não cumprimento das leis trabalhistas no Brasil, principalmente após a reforma de 2017, no governo Michel Temer.

A modalidade de trabalho intermitente, a mesma exercida por Moïse, surgiu na reforma de 2017 para regularizar e flexibilizar aquelas atividades não-contínuas que duram horas, dias ou meses, de acordo com a demanda do empregador, porém, com a garantia proporcional dos direitos. Por conta disso, o MPT (Ministério Público do Trabalho) classificou a morte de Moïse como um acidente de trabalho, baseado na convenção 190 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), e há uma investigação aberta sobre o caso.

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“As pessoas migram em busca de uma nova vida, em busca de oportunidade. E essa nova oportunidade de vida, muitas vezes, vem por meio do trabalho”, aponta Lucas Santos Fernandes, procurador do Trabalho e coordenador Regional no Rio Grande do Sul da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho. De acordo com o Ministério da Justiça, entre 2011 e 2020, foram recebidos cerca de 54 mil refugiados no Brasil, sendo que 1.050 eram congoleses.

O MPT, segundo Fernandes, atua no monitoramento dos fluxos migratórios no país para combater situações de exploração de mão de obra, que também reflete o racismo estrutural. “Não devemos analisar o racismo pelo prisma individualista e achar um culpado. Não são casos isolados, é uma luta por direitos”, afirma o procurador.

Por não existir uma integração entre os órgãos públicos sobre as condições de trabalho dos imigrantes, fica mais difícil o combate à exploração da mão de obra e até o trabalho escravo, especialmente, nas relações terceirizadas. “Não basta identificar apenas quem são os capangas, mas, sim, quem são grandes empresas por trás dessa exploração, como acontece com os imigrantes bolivianos, venezuelanos, por exemplo, no ramo de confecção. As empresas se colocam numa posição de conveniente cegueira deliberada”, denuncia.

Repercussão no legislativo

A exploração da mão de obra é uma das principais violências sofridas por imigrantes de pele negra e foi tema de uma audiência pública da Comissão dos Direitos Humanos do Senado, no dia 8 de fevereiro, solicitada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que é presidente da Comissão Mista Permanente sobre Migrações e Refugiados.

“É um caso específico de trabalho escravo e como escravo ele foi tratado. Foi amordaçado, sufocado, espancado, amarrado e assassinado. Essa é a realidade do Brasil”, disse Paim na ocasião. 

Durante a audiência, a vereadora Tainá de Paula (PT), presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara do Rio de Janeiro, e o irmão de Moïse, Djodjo Kabagambe, falaram sobre o caso e o panorama da exploração dos imigrantes na capital carioca.

“Infelizmente, relato da família Kabagambe revela o buraco profundo da negação dos direitos de negros e negras da diáspora. É primordial construir um legado que aprofunde o debate racial brasileiro. Há uma falta de entendimento do papel do Brasil com a sua população negra e o seu papel de responsabilidade pública com vários tratados assinados, com várias nações, que garantem a vida dos corpos negros da diáspora e refugiados”, afirmou a vereadora, que também representou a Coalizão Negra por Direitos na audiência.

Ela lembrou ainda que o Brasil tem acordos assinados com a República Democrática do Congo para receber os refugiados, “mas há uma ausência de políticas públicas para o cumprimento desses tratados. O Brasil está na lista dos países com trabalho análogo à escravidão, que é o neo-escravismo brasileiro que nunca foi discutido, apesar de diversas CPIs sobre o tema. O Rio, capital e interior, são recordistas em trabalho escravo e houve pouquíssimos desdobramentos para o combate dessa situação”, destacou.

A cidade do Rio de Janeiro tem a segunda maior população negra fora do continente africano e a segunda cidade com maior número de imigrantes e refugiados no Brasil. “Nos últimos quatro séculos, foram várias ondas de fluxos migratórios e o porto do Rio foi o que mais recebeu corpos negros. E também é o estado onde mais se mata pessoas com idade entre seis e 19 anos, majoritariamente, corpos negros”, lembrou a vereadora, que também destacou a falta de uma política municipal ou estadual de acolhida de vítimas de violência do Estado com recorte racial, que garanta apoio psicológico e de renda.

“Os imigrantes e refugiados estão morando em favelas, sofrendo com a insegurança alimentar e são a base do trabalho precarizado, muitos deles com competências e nível superior de escolaridade. Porém, o Estado não tem nenhum programa para atender essa população dignamente”, lamentou a parlamentar.

O irmão de Moïse, Djodjo Kabagambe, afirmou que a família espera que todas as pessoas que participaram do linchamento de Moïse sejam presas. “A justiça precisa ser feita. O vídeo mostra que tem outras pessoas que participaram do crime”, disse Djodjo.

Na quarta, dia 23, a Justiça do Rio de Janeiro aceitou denúncia apresentada pelo Ministério Público do estado contra três acusados. A juíza Tula Corrêa de Mello, da 1ª Vara Criminal da capital, decretou a prisão preventiva de Fábio Pirineus da Silva, Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca e Brendon Alexander Luz da Silva, que irão responder por homicídio triplamente qualificado. Além do assassinato, a juíza entendeu que houve “motivo fútil” e “emprego de “meio cruel”.

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