Definidos como prioridade no Plano do governo federal e do estado de São Paulo, não há previsão de quando o grupo será imunizado contra o coronavírus
Texto: Caroline Nunes | Edição: Nataly Simões | Imagem: Fabio Vieira/FotoRua
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As pessoas que vivem em situação de rua estão classificadas como grupo de risco no Plano Nacional de Imunização e na agenda estadual de São Paulo para a vacinação contra o coronavírus. Entretanto, nenhum das duas estâncias inseriram essa parcela da população como prioritária na primeira fase da imunização contra a doença.
O Plano Nacional classifica os moradores de rua como “Grupo com Elevada Vulnerabilidade Social”, juntamente com os refugiados, pessoas com deficiência, indivíduos com liberdade privada e/ou que residam em más condições de habitação. Embora considerado como grupo prioritário para ser vacinado, assim como os quilombolas, indígenas, trabalhadores da área da saúde, idosos e pessoas com comorbidades, ainda não há data prevista para a imunização.
Já o Plano Estadual de Imunização do Estado de São Paulo prevê o início da campanha de vacinação para o dia 25 de janeiro e considera os moradores de rua como grupo prioritário, no entanto, os primeiros a serem vacinados serão os trabalhadores da área da saúde, quilombolas e indígenas. Depois disso, a imunização ocorrerá por faixa etária, dos mais velhos aos mais novos.
Segundo o Censo de 2020 da População em Situação de Rua da cidade de São Paulo, mais de 80% das pessoas que vivem nas ruas têm, em média, de 35 a 41 anos. Isso significa que se esse grupo for vacinado seguindo a ordem de idade – do mais velho ao mais jovem – não existe data prevista para a imunização, principalmente na primeira fase da campanha, que termina com a segunda dose para pessoas com 60 a 64 anos, em 22 de março.
Para Manoel Torquato, secretário nacional da Rede Criança Não é de Rua, sobram critérios para que os moradores de rua sejam considerados prioridade na agenda de vacinação. “Não temos a crença de que essa população será contemplada por algum critério de priorização, mas critérios não faltam. O próprio fato da sua alta exposição a esse vírus deveria ser critério por excelência para colocá-los entre os grupos prioritários a receber a vacina, mas nós sabemos que isso dificilmente vai acontecer”, conta Torquato, que também é coordenador de projetos da associação O Pequeno Nazareno e representante do Brasil na Rede Internacional por la Defensa de la Infancia y Adolescencia en Situacion de Calle.
A Prefeitura de São Paulo estima que somente na capital, em média, 300 pessoas em situação de rua foram infectadas pelo novo coronavírus entre abril e agosto passados e 30 dessas pessoas morreram em decorrência das complicações da doença. Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou, não existem dados nacionais do número de moradores de rua infectados e/ou mortos pela Covid-19.
Ainda de acordo com o censo de 2020, 70% das pessoas que vivem nas ruas da cidade são negras e 85% do sexo masculino. Esse número representa um aumento de 60% em comparação ao censo de 2015. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estimam que existam cerca de 222 mil pessoas morando nas ruas em todo o país.
Segundo Torquato, a população de rua é invisível para o governo federal, estadual e municipal. “Nós não observamos uma atenção efetiva, de forma ampla e continuada, para amparar as pessoas em situação de rua. O que nós observamos foram medidas isoladas, pontuais e que só serviram para que os governos dissessem ‘ali estamos fazendo alguma coisa’, mas a abrangência dessas políticas públicas que foram ofertadas não chegou nem perto da demanda e das necessidades que essa população de fato requer”, aponta.
Vulnerabilidade social
Manoel Torquato exemplifica as razões que fazem dos moradores de rua prioridade no que tange a imunização. Para ele, essas pessoas são duplamente afetadas pela pandemia, uma vez que não podem cumprir as medidas de isolamento social. “Elas não estão em condições de seguir a orientação de ‘ficar em casa’, que é uma das principais recomendações da Organização Mundial da Saúde [OMS]. Como ficar em casa sem ter casa?”, questiona.
Além da moradia, outros pontos destacados por Torquato são a ausência de moradia e a falta de condições para a higienização adequada. “Não há banheiros públicos, não há locais para banho, então, onde lavar as mãos? Onde e como usar álcool em gel? Como obter máscaras? Todo o aparato de orientações para a população em geral é inviável para os que estão em situação de rua”, detalha.
Para Ana Carolina de Paula, médica de família e comunidade, a Covid-19 é especialmente perigosa para a população de rua justamente pelos motivos citados por Torquato. A profissional de saúde aponta que devido à vulnerabilidade, falta de higiene e condições precárias de prevenção contra o coronavírus, a propagação da doença pode ser alta, ainda mais com a falta de acesso ao serviço público de saúde.
“Esse panorama que a população de rua vive faz dela mais suscetível às doenças em geral e o novo coronavírus não é uma exceção. Esse também é o grupo mais propenso a desenvolver as formas mais graves da doença. A dificuldade ao serviço de saúde prejudica e retarda o diagnóstico, o que faz com que esse paciente evolua mal ao quadro, mais do que a população em geral”, explica a médica.
Ana Carolina ainda adverte que o morador de rua tem outro desafio ao ser diagnosticado como infectado pelo coronavírus, que é a aplicação das medidas sanitárias à sua situação e a manutenção do tratamento fora do hospital. “Às vezes, as condutas que são dadas a esse paciente são difíceis, por ele não ter acesso ao medicamento, ou ainda a dificuldade de tomar o remédio no horário correto, que foi indicado pelo médico”, afirma.
As ONGS, Organizações Não-Governamentais, como a Craco Resiste (SP), contam com a ajuda de voluntários para levar informação e insumos para pessoas em situação de rua. Ricardo Barros, educador social e voluntário do projeto, explica que desde que começou a pandemia houve uma mobilização grande entre as ONGs e os coletivos para auxiliar principalmente os moradores de rua localizados na região da Cracolândia.
“Foi necessário orientar essas pessoas quanto à prevenção da doença. Além disso, a distribuição de insumos foi feita por muitas pessoas de vários coletivos diferentes. Insumos diversos, como máscaras, álcool em gel, marmitas. Mas o principal é ensinar a eles como se contrai e como se prevenir”, salienta.