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Mortes por Covid-19 de pessoas em situação de rua é o dobro do que o registrado em fontes oficiais

De acordo com pesquisa inédita, medidas insuficientes e subnotificação dos dados escondem o tamanho real do problema

A imagem mostra uma pessoa em situação de rua na calçada. Foto ilustra matéria sobre mortes dessa população pela Covid-19.

Foto: Imagem: TRAPHITHO/ Pixabay

18 de janeiro de 2022

As mortes de pessoas em situação de rua pela Covid-19 foram maior que o divulgado pela Prefeitura de São Paulo, de acordo com pesquisa inédita realizada pelo Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (LabCidade FAU-USP) e pela Clínica Luiz Gama.

Foram 96 mortes de pessoas em situação de rua na cidade paulista durante o período de março de 2020 a maio de 2021, segundo apuração feita pelos pesquisadores responsáveis a partir da base de dados sobre os óbitos por Covid-19 organizada pelo Projeto Recovida. Até o momento, a Prefeitura de São Paulo registrou apenas 49 mortes pelo coronavírus nessa população.

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Para Aluízio Marino, pesquisador do LabCidade, pós-doutorando na FAU-USP e um dos responsáveis pela pesquisa, a importância do estudo está em mostrar um cenário historicamente invisibilizado sobre as condições das pessoas em situação de rua. Mesmo que já desatualizados, os dados encontrados revelam que o impacto sobre essa população foi maior que o indicado nas fontes oficiais.

“Desde o início da pandemia, poucos foram os esforços do poder público de quantificar o quanto as pessoas em situação de rua se infectaram pela Covid e quantas dessas pessoas morreram pela doença. Ao mesmo tempo, a gente não tem a mínima noção de quantas pessoas passaram a viver na rua por conta da pandemia e pelo agravamento da crise habitacional”, destaca o pesquisador.

Os dados do último Censo da População em Situação de Rua de 2019 é anterior ao período da pandemia e já não refletem a realidade da cidade de São Paulo. Também não há, atualmente, um procedimento específico que identifique a população de rua em casos de contaminação e mortes por Covid-19 e outras doenças respiratórias.

De acordo com Aluízio Marino, as informações encontradas para o estudo são uma interpretação dos dados disponíveis e das indicações feitas por profissionais de saúde nas fichas médicas de pacientes. Marino também ressalta a falta de orientações para esses profissionais lidarem com a população de rua para que se tenha informações consistentes sobre seu atendimento.

“Nós falamos de informações que partem da boa vontade e da sensibilidade do preenchimento dos profissionais de saúde. A gente não tem um campo específico que identifique pessoas em situação de rua, mesmo acolhidos ou não acolhidos, nas fichas médicas. Então, são dados subestimados. Sem informação, a gente não conhece a real demanda e, portanto, não consegue dar as respostas mais adequadas”, destaca o pesquisador.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que a empresa contratada para realizar o Censo da População em Situação de Rua está finalizando a maior parte de seu trabalho agora no final de janeiro para publicar o relatório antes do prazo habitual de quatro anos. Haverá também uma terceira etapa de sistematização de dados sobre demandas da população em situação de rua, prevista para ser concluída até fevereiro.

Maioria de homens, negros e com comorbidades

A partir da base de dados do Projeto Recovida, foi possível identificar 35 óbitos de pessoas em que havia alguma indicação de que ela estava em situação de rua e sem acolhimento. Também foram identificadas 61 mortes de pessoas acolhidas, ou seja, em que foram identificados endereços de centros de acolhimento, albergues e demais serviços ofertados pela prefeitura. Não foi localizado nenhum óbito de pessoas que viviam em repúblicas, modalidade defendida por movimentos sociais como a mais adequada.

Os dados analisados também possibilitaram identificar que a maior parte dos óbitos são de homens (77,08%). Entre as pessoas não acolhidas, esse número chega a 94,29%. Metade das pessoas foram identificadas como pretas ou pardas, com 44,79% registradas como brancas e 5,21% sem identificação de cor. Entre a população não acolhida, a presença de negros foi de 54,29%.

Também foi registrado a prevalência de comorbidades. Pelo menos, 75% apresentavam um ou mais fatores de risco, sendo que 27,8% possuía alguma doença cardiovascular crônica e 17,71% tinha problemas respiratórios. Além disso, todas as mortes registradas são de adultos e idosos, sendo que 78,13% estavam acima dos 50 anos de idade.

O estudo ressalta que “as diferenças entre acolhidos e pessoas em situação de calçada reforçam a ideia de que os não-acolhidos apresentam maior sobreposição de vulnerabilidades e maior invisibilidade no processo de produção de dados de saúde”.

Ações oficiais não são suficientes

Os dados oficiais divulgados pela prefeitura partem do que é coletado pelas abordagens do Consultório na Rua, equipe que atua no âmbito da rede de Atenção Básica em Saúde a partir da busca ativa à população em situação de rua, e não da totalidade de atendimentos realizados a essa população em toda a rede municipal.

Também em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que realizou investimentos emergenciais para garantir o atendimento médico, segurança alimentar e ampliação das vagas de abrigamento da população em situação de rua, além de iniciar em 12 de fevereiro do ano passado a vacinação contra Covid-19 dessas pessoas com mais de 60 anos e antecipar a entrega do Hospital Municipal Santa Dulce dos Pobres, na Bela Vista.

“Dados atualizados no início de dezembro/2021 indicam que, desde o começo da pandemia, mais precisamente desde 27 de março de 2020, a SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) criou 2580 vagas emergenciais para recebimento de pessoas com Covid, sendo 726 emergenciais em diferentes unidades, 400 em CÉUS e outras 1454 em hotéis. Essas vagas foram utilizadas nos momentos mais agudos da pandemia na capital paulista”, também destaca a nota.

Segundo o Aluízio Marino, as ações realizadas até então são insuficientes para a garantia dos direitos dessas populações, sobretudo durante a pandemia.

“O poder público, especialmente a prefeitura aqui em São Paulo, focou principalmente na oferta de vagas em abrigos emergenciais. Esses abrigos emergenciais que funcionam como os antigos albergues, espaços onde são enfileiradas as camas e beliches muitas vezes. Mas essa forma de atendimento, embora importante, é problemática quando a gente pensa em um momento de pandemia em que essas pessoas precisariam ter as mínimas condições de isolamento e de proteção”, explica.

De acordo com o pesquisador, escolhas diferentes poderiam ter sido feitas, como abrir vagas em hotéis que estão fechados e que poderiam abrigar emergencialmente pessoas nessa situação, priorizando pessoas mais velhas em situação de rua. “Além disso, um investimento maior em repúblicas, em programas de locação social e formas de moradia que garantam uma maior segurança de toda essa população”, finaliza.

Leia também: Racismo estrutural: ‘Segurança pública no Brasil é seletiva e criminaliza o negro’

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