O conceito de antinegritude é discutido em várias áreas do conhecimento, como antropologia, filosofia e até mesmo literatura, dada a urgência de combater as diferentes facetas do racismo.
“A antinegritude é um conceito pensado a partir dos estudos negros e é capaz de explicar a condição do sujeito negro no mundo. Compreende-se a antinegritude em uma posição antagônica do ser negro sob o olhar do sujeito da razão universal, que é o homem, branco, rico, hétero e cristão, ou seja, ser negro é antagônico ao mundo estabelecido”, explica a advogada e doutora em antropologia Dina Alves.
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A professora assistente da African American Studies, Kihana Miraya Ross, estuda a antinegritude e a descreve como uma incapacidade de reconhecer a humanidade negra, de negar a realidade de que o tipo de violência que aflige a vida negra não se baseia em nenhuma coisa específica que uma pessoa dessa cor fez. Segundo ela, essa violência é gratuita e implacável.
Dina Alves avalia que o mundo, incluindo as sociedades da diáspora africana, está organizado em um antagonismo estrutural contra as pessoas negras. Nesse aspecto, os estudos realizados sobre a antinegritude extrapolam os limites do que é racismo, pois vão muito além do conceito do que é racismo ou não.
“A antinegritude, portanto, posiciona o ser negro fora do lugar de humanidade, de cidadão, do que é ser humano. Por que negros foram projetados como pessoas escravizadas, como mercadoria, como não-humanos”, enfatiza a doutora em antropologia.
Diferenças entre antinegritude e racismo
De acordo com o artigo “O que é antinegritude”, de autoria de Aline Novakoski, antinegritude é radicalmente distinta do racismo. Enquanto o racismo presume uma semelhança entre as opressões de grupos não brancos, a antinegritude – que é um aprofundamento dos estudos raciais – pressupõe que não existe nenhuma analogia possível, uma vez que os negros estão excluídos de qualquer noção de humanidade.
O antropólogo João Costa Vargas, no artigo “Terror sexual é genocídio: o estupro da mulher negra como elemento estrutural e estruturante da diáspora – por uma análise quilombista da antinegritude“, diz que o estupro torna a mulher negra “não mulher”, sem ser considerada sequer uma pessoa.
Logo, antinegritude traz à tona uma desumanização radical, subtraindo dessa mulher o gênero normativo e a sexualidade.
“As digitais dos transatlânticos estão carimbadas em nossos corpos e revelam a vidas póstuma da escravidão no presente, na nossa realidade do presente”, ressalta Dina Alves.
Leis brasileiras não protegem contra antinegritude
Alguns casos de violência ocorridos no Brasil exemplificam o que são ações antinegritude, de acordo com a antropóloga, como o caso da chacina do Jacarezinho, os Crimes de Maio, o caso Luana Barbosa e a chacina de Osasco.
“Esses casos de violência sistêmica revelam o que é a vida póstuma da escravidão, pois estão presentes nos aparatos usados para manter negros em lugares históricamente demarcados pela violência racista do período escravocrata, presente nessa continuidade da violência”, salienta Dina.
Ela destaca ainda que políticas públicas para a área de segurança são pensadas e elaboradas de maneira anti-negro, como a violência policial e o encarceramento. “Dados revelam que os negros são alvo do sistema de justiça criminal. Isso não poderia ser puramente racismo”, pondera.
Segundo a jurista, as leis brasileiras referentes ao racismo são insuficientes para proteger a população da ação de antinegritude porque o mundo pertence ao homem universal, logo, está organizado em um antagonismo estrutural contra as pessoas negras.
“O regime de cidadania, por exemplo, é concebido em referência negativa às pessoas negras. A humanidade é racionalmente imaginada como uma comunidade branca. A escravidão, portanto, não é coisa do passado. Por isso o letramento racial é importante, para frear essas estruturas que apenas oprimem o povo negro”.
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