Dados do Atlas da Violência de 2020 mostram que a taxa de homicídios dos negros aumentou em dez anos enquanto a dos não negros diminuiu; em 2018, 75,7% das pessoas assassinadas no país eram negras
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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As medidas implementadas pelos governos municipais e estaduais para combater e controlar a criminalidade não foram suficientes para mudar a dinâmica do racismo no Brasil, que coloca a população negra no epicentro da violência. É o que avaliam os pesquisadores que elaboraram o Atlas da Violência 2020, divulgado nesta quinta-feira (27).
“Essas políticas públicas em nível local, de prefeituras e estados, que atuam na prevenção da violência têm sido capazes de, minimamente, proteger a vida das pessoas não negras, mas ineficientes no que diz respeito a vida dos negros. A disparidade é tão grande que parece que estamos falando de países diferentes”, diz Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
A nova edição do Atlas da Violência foi desenvolvida com base nas informações oficiais do sistema de saúde sobre as mortes violentas em 2018. O documento aponta que entre 2008 e 2018, a taxa de homicídios de negros para cada grupo de 100 mil começou em 34, passando para 37 em 2012, depois para 39 em 2014, e seguiu em alta para 43,1 em 2017. No ano de 2018, fechou em 37,8. Nesse período de dez anos, o crescimento da taxa de homicídios da população negra foi de 11,5%.
Para os não negros, a taxa de homicídios era de 15,9 para cada 100 mil em 2008. Em 2012, o índice era de 15,8 e ficou em 16 nos levantamentos de 2014 e 2017. Em 2018, diminuiu para 13,9%. Ao longo dos dez anos, entre a população não negra, a taxa de homicídios teve queda de 12,9%.
“O risco de uma pessoa negra ser assassinada era duas vezes maior do que uma pessoa branca há dez anos. Agora esse risco é quase três vezes maior. As políticas públicas implementadas não foram capazes de reduzir esse risco. Isso mostra de forma muito latente como funciona o racismo no Brasil”, explica Dennis Pacheco, pesquisador do FBSP.
Iniciativas como o Programa Estado Presente, no Espírito Santo (2011); o Programa Paraíba Unida Pela Paz, na Paraíba (2011); o Programa Pacto pela Vida, em Pernambuco (2007); o Programa Fica Vivo!, em Minas Gerais (2002); as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no Rio de Janeiro (2008); e o InfoCrim, em São Paulo (2000), são algumas das propostas desenvolvidas com base em experiências internacionais de combate à criminalidade e que no Brasil não serviram para reduzir a morte dos negros.
“Na trajetória histórica de racismo no Brasil o negro é muito mais vulnerável a sofrer violência. Por outro lado, existe um efeito direto de violência contra negros que a gente chama de ‘racismo que mata’. A ideia do negro perigoso, uma ideia que está dentro de muitas polícias no Brasil afora com o uso da força diferenciada entre negros e não negros é algo que precisamos superar e entrar num processo civilizatório mínimo”, considera Daniel Cerqueira, presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), do Espírito Santo.
No Brasil, em 2018, cerca de 44 mil pessoas negras foram assassinadas, o que representa 75,7% dos 58 mil mortos registrados na base de dados do sistema nacional de saúde.
“O racismo e todos os processos de racialização decorrentes dele são demonstrações da desigualdade, principalmente quando se trata de índice de letalidade. Mesmo na comparação de 2017 e 2018, que mostra uma queda no total de mortes, essa diminuição se concentra muito mais na população não negra do que na população negra”, salienta Amanda Pimentel, do FBSP.