Por Simone Freire
No Brasil, é sempre uma confusão: meu pai é branco, minha mãe é negra, tenho a pele clara e o cabelo crespo. Ou, meu pai é negro, minha mãe é branca, meu cabelo é cacheado, minha pele é clara e meu nariz é bem arredondado. Pele branca, pele negra… pele meio a meio… como o mundo te define e como você se define no mundo? O que é a identidade racial de uma pessoa? Afinal, o que eu sou? Essa incerteza de pertencimento é muito mais comum do que se imagina.
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O assunto é complexo e há diferentes formas de analisar a situação, e partindo de vários e diferentes pressupostos. Um dos primeiros passos para pensar tudo isso é saber que, embora ao longo da nossa existência tenhamos estabelecido que a sociedade é dividida em grupos que se definem em raças, nem sempre foi assim.
Raça é uma ideia de que as pessoas não são todas iguais, de quem os seres humanos são divididos em grandes grupos e que podemos atestar esta diferença a partir dos fenótipos, das diferenças que estes grupos apresentam entre si.
Esta ideia foi construída com o passar do tempo, principalmente, para justificar a hierarquia de um grupo diante de outro durante um processo de construção da ideia de nacionalidade, de origem. A partir de uma imposição, então, passamos a definir os brancos como colonizadores, seres superiores; e os negros e indígenas como povos escravizados, inferiores.
“A partir do momento em que esta ideia de raça tem a ver com o colonialismo, com o capitalismo, dominação entre os povos, a gente começa a pensar os seres humanos dentro de uma raça. Esse é um eixo central a partir do qual a gente constroi a nossa identidade racial, que é a partir de uma divisão, da diferença, de hierarquia”, explica a psicóloga Mônica Mendes Gonçalves, mestra em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP).
Diáspora
Bom, agora que sabemos sobre a arquitetura da construção racial, podemos voltar ao Brasil. No período da exploração portuguesa estima-se que cerca de quatro milhões de africanos e africanas tenham sido trazidos à força para trabalhar como escravos.
Tivemos centenas de anos de construção de um país sob um regime escravocrata que, com a tentativa de embranquecer a população, forçou a miscigenação a partir do abuso sexual de mulheres negras o que, posteriormente, daria pano de fundo para justificar erroneamente a chamada “democracia racial”.
O fato é que, atualmente, somos um país bastante miscigenado, não só pelas chamadas raças brancas e africanas, mas por diversas etnias do mundo inteiro, sem contar a indígena. E classificar este processo sempre foi um desafio. No século XVIII, por exemplo, a sociedade brasileira era classificada entre índios civilizados, brancos e africanos e seus descendentes. No século seguinte, as classificações já haviam mudado: brancos, negros e mulatos.
Hoje, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que atua desde 1936, tipifica a sociedade em cinco categorias: branca, preta, amarela, parda (incluindo-se nesta categoria a pessoa que se declarou mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça) e indígena (considerando-se nesta categoria a pessoa que se declarou indígena ou índia).
Nesta metodologia adotada, em cada domicílio brasileiro apenas uma pessoa responde por todos os moradores, valendo a “autodeclaração” da pessoa que está respondendo a pesquisa. A somatória da população preta e parda é o que configura, hoje, a população negra do país.
No Brasil, a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em maio, revelou um aumento na população que se autodeclara negra e uma redução na que se identifica como branca.
Segundo a pesquisa, em 2018, a população branca representava 43,1% , a parda 46,5% e a preta 9,3%. Os registros do IBGE apontam que, se comparado com os últimos seis anos, a população que se declara negra aumentou em 4,7 milhões. Isso significa que no ano passado 19,2 milhões de pessoas passaram a se entender como negras (pretas ou pardas) no país.
Identificações
A identidade racial ou grupal está ligada ao lugar que uma pessoa está relacionada na estrutura social. Ou seja, a identidade racial não é uma escolha do sujeito, elas estão relacionadas a uma ideia de raça construída historicamente no nosso país que está ligada ao fenótipo do sujeito.
O Estatuto da Igualdade Racial define como “população negra o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga. O preto seria caracterizado como uma identificação de cor e o negro como raça.
E há uma complexidade maior quando analisamos, principalmente, a população parda do país. ““A gente tem uma parcela de problemática na identidade racial para o o que o IBGE classifica como pardo porque eles podem nascer fenotipicamente brancos ou negros””, explica Lia Vainer Schucman, doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP).
Para esta população, muitas vezes, o que vai definir seu grupo racial socialmente é a sua identificação enquanto sujeito, que está relacionada aos seus processos emocionais ou psíquicos, ou seja, com as identificações culturais ou relacionais familiares; ou ainda como esta pessoa é lida pela sociedade.
No texto “Por que falar sobre raça e classificações no Brasil é tão complicado?”, o Alma Preta falou com outros especialistas sobre o assunto.
Separamos dois vídeos que também vão ajudar a entender mais sobre isso:
O primeiro é do influencer Spartakus Santiago, que falou de forma bem didática sobre os conceitos como passabilidade, colorismo, eugenia. Além disso, ele deixou uma lista bem bacana de conteúdos para ler, ouvir e ver.
A Xan Ravelli, do canal Soul Vaidosa também fez um vídeo sobre o assunto contextualizando desde o período da escravidão até os dias de hoje.