Apesar dos avanços do SUS em três décadas de existência completadas em 19 de setembro, políticas voltadas para a população negra são deixadas de lado pela grande maioria dos governos municipais
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Mauro Pimentel/AFP
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A lei do SUS (Sistema Único de Saúde) entrou em vigor no dia 19 de setembro de 1990. Passados 30 anos da sanção, o SUS é consolido como a principal ferramenta pública de cuidado da saúde da população brasileira, sobretudo da população negra. De acordo com dados do Ministério da Saúde, oito em cada dez pessoas que se autodeclaram como negras no país dependem do atendimento público de saúde.
“O SUS é um projeto em construção e de constante disputa política, nos moldes de estrutura e no modelo de financiamento. Houve períodos de maior valorização, por exemplo nos governos progressistas, e períodos de ataques, como na aprovação da emenda 95 [do teto de gastos, a partir de 2016], que estrangulou as finanças do SUS”, conta a médica Nathalia Santos, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.
Nathalia recorda que o cenário da saúde pública no Brasil antes da implementação do SUS era muito excludente. “A universalização foi um grande avanço. Antes o sistema de saúde era garantido apenas para os trabalhadores formais, com carteira assinada, que não era a maioria da população. O SUS aumentou a cobertura e o acesso a consultas, medicamentos, terapias e tem um dos programas de humanização mais amplos do mundo”, explica a médica especialista em Saúde da Família.
Apesar dos avanços conquistados com o SUS, as políticas voltadas para a população negra são deixadas de lado por muitos governos municipais. Atualmente, o programa específico para a saúde da população negra existe em menos de 60 das 5.500 cidades brasileiras.
“O sistema possibilitou a construção de uma política nacional de saúde integral para as mulheres e a política nacional de saúde integral para a população negra. Isso é a compreensão que o Brasil é marcadamente construído numa desigualdade de raça e gênero. Por isso, determinadas populações precisam de um atendimento diferenciado que consigam combater a discriminações”, enfatiza Nathalia.
População negra e pandemia
Além de 80% dos negros brasileiros serem usuários do SUS, durante a crise sanitária provocada pela Covid-19, o novo coronavírus, essa população esteve mais vulnerável à doença. O levantamento Epicovid-19, divulgado no dia 15 de setembro, aponta que 1,7% dos brasileiros autodeclarados como pardos e 1,2% dos autodeclarados como pretos foram contaminados, enquanto entre os brancos, a contaminação ficou em 1,1% do total. A chance de uma pessoa negra ser infectada pelo coronavírus é quase o dobro da de uma pessoa branca.
O levantamento foi realizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pela iniciativa Todos Pela Saúde em parceria com a Universidade Federal de Pelotas. O estudo analisou dados de 33.250 pessoas em 133 cidades brasileiras.
Os números correspondem à quarta fase do levantamento e o maior percentual de infecção foi observado na região Norte (2,4%) e no Nordeste (1,9%). No Sul, Centro-Oeste e Sudeste, o percentual de infecção ficou em 0,5%, em agosto.
Orçamento da saúde
Entre 2016 e 2019, o orçamento anual médio para a área da saúde no Brasil ficou em R$ 120,39 bilhões. Até o dia 16 de agosto, o total de despesas pagas na área de saúde somou R$ 107,9 bilhões, segundo o Portal Transparência, que reúne dados das contas do governo.
Deste total, o governo usou R$ 4,5 bilhões em vigilância epidemiológica em 2020, abaixo dos valores de R$ 6,26 bilhões em 2019, R$ 5,21 bilhões em 2018 e R$ 5,03 bilhões em 2017, todos anos em que não houve pandemia no país. Na média mensal, em 2020 foram gastos R$ 450 milhões com a vigilância epidemiológica. No ano passado, essa média foi de R$ 520 milhões.
De quatro em quatro anos, acontece a Conferência Nacional de Saúde, com participação da sociedade civil, dos profissionais do setor e do governo para debater diretrizes e políticas públicas para o SUS. A próxima será a 17ª conferência e deve acontecer em 2023, para traçar um plano plurianual até 2027.
O Alma Preta entrou em contato com o Ministério da Saúde para obter informações sobre a gestão dos recursos em vigilância epidemiológica em 2020 e os planos do governo para os próximos anos por conta da pandemia. Até a publicação deste texto, a pasta não se posicionou.