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Racismo na escola impacta diretamente o desenvolvimento das crianças

A discriminação racial se reflete também nas experiências adversas na infância, expondo as crianças negras ao estresse e a traumas; a educação antirracista é um dos caminhos possíveis para a superação desse problema

Texto: Fernanda Rosário | Edição: Nataly Simões | Imagem: Santi Vedrí on Unsplash

Criança negra estuda em uma mesa. Foto é usada para ilustra matéria sobre racismo na educação.

5 de dezembro de 2021

A educação é um dos setores em que o racismo é reproduzido e perpetuado. As primeiras pessoas a sentirem os efeitos da discriminação racial nesses espaços são as crianças negras, que podem ser apresentadas a um conhecimento eurocêntrico que não as reconhece e que compremete seu desenvolvimento pleno. Quando a escola estrutura políticas comprometidas com o antirracismo, ocupa papel central na mudança dessa realidade.

De acordo com o documento “Racismo, Educação Infantil e Desenvolvimento na Primeira Infância“, o racismo histórico em que a sociedade brasileira se estruturou não preservou as crianças negras. No período colonial, a criança escravizada tinha uma infância curta e realizava trabalhos domésticos desde muito cedo, enquanto suas mães precisavam se ocupar com o cuidado das crianças brancas das casas-grandes.

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O documento também aponta que o racismo é uma adversidade que compõe as chamadas “Experiências Adversas na Infância” e faz com que as crianças negras enfrentem maior exposição ao estresse tóxico e a traumas.

Segundo a professora de História Lucia Helena Xavier, a escola, como instituição integrada ao resto da sociedade, reflete o que está ao seu entorno. “Podemos perceber todas as desvantagens que uma criança negra já tem desde o momento em que nasce. Normalmente, estão em famílias com menos condições de oferecer todas as condições para um desenvolvimento pleno. Por isso eu acho tão importante que além da gente falar sobre igualdade racial, a gente fale de equidade”, pontua a educadora aposentada, que também mestranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Dimensões do desenvolvimento afetadas pelo racismo

A professora Lucia Helena destaca que ainda existe nas instituições de ensino, sobretudo nas públicas, onde a maioria das crianças negras estão, um currículo voltado para uma história do conhecimento que considera a população branca em detrimento de outros povos.  De acordo com ela, isso já é uma agressão uma vez que exige das crianças que elas se desqualifiquem e se projetem em um modelo que nunca vão atingir.

“Há pesquisas sobre educação infantil em que a gente percebe que as crianças brancas são mais paparicadas e que as crianças negras são mais castigadas e mais punidas. Isso atinge diretamente a autoestima de sujeitos que ainda estão em formação”, destaca.

Considerando que os primeiros anos de vida são fundamentais no estabelecimento dos alicerces de aprendizados futuros para as pessoas, são várias as dimensões do desenvolvimento que são impactadas pelo racismo. Segundo Natália Silva, psicóloga e fundadora do Grupo Reinserir Psicologia, clínica de atendimento psicológico com ênfase em questões raciais, falas racistas sobre características físicas, por exemplo, marcam a vida de crianças negras.

“A maior parte das violências racistas estruturais vem a partir de manifestações bem sutis e veladas. Todas essas falas e esse racismo atravessa a criança negra e já vai minando seu processo de desenvolvimento de autoestima, de autoconfiança e a construção da sua própria autoimagem”, pontua a psicóloga.

Todos esses impactos acabam contribuindo mais para uma evasão escolar, além de uma vida adulta permeada por problemas na saúde física e mental.

“Muitos jovens pretos que chegam até o ensino superior, por vezes, acabam se cobrando tanto, porque ouvem que precisam ser ‘duas vezes’ melhores para ‘compensar’. Essa autocobrança se alastra para quadros de ansiedade, depressão e burnout fazendo com que esse jovem não consiga dar continuidade às suas demandas e se distancie de suas atividades”, explica a psicóloga.

Nas escolas, apesar da existência de leis voltadas à educação afirmarem a importância da valorização de todas as identidades, o que acontece muitas vezes é que nem a gestão, nem a prática cotidiana dos professores expressam isso, conforme relata Lucia Helena.

“Ainda vemos que temáticas ligadas à diversidade racial, à igualdade de gênero, de raça e de classe são muito pontuais em cursos de licenciatura e de pedagogia”, explica a professora.

Para ela, se as questões não estiverem nos documentos oficiais do setor da educação de maneira muito explícita, os professores, a gestão da escola e os sistemas educacionais desconsideram a temática.

“Os educadores precisam ficar atentos porque esse não é um trabalho pontual, é um trabalho que tem que acontecer diariamente nas unidades educacionais, sobretudo nas públicas, onde as opressões interseccionais se acumulam. Não é só raça, mas também é classe, gênero, regionalismo e tantas outras questões”, orienta.

Caminhos possíveis para uma educação antirracista

Sala da Escolinha Afro-Brasileira Maria Felipa, em Salvador, na Bahia. | Foto: Iago Augusto/Alma Preta JornalismoSala da Escolinha Afro-Brasileira Maria Felipa, em Salvador, na Bahia. | Crédito: Iago Augusto/Alma Preta Jornalismo

A escola, quando segue o caminho de propostas pedagógicas antirracistas, trabalha por uma superação da desigualdade racial. Nesse sentido, experiências transformadoras já são feitas no Brasil em algumas escolas.

A professora Bárbara Carine é consultora pedagógica e uma das idealizadoras da Escolinha Maria Felipa, localizada em Salvador, na Bahia. A escola infantil particular é pautada em uma educação afrocêntrica, antirracista e decolonial, ou seja, que visa superar a história única eurocêntrica que é repassada e se baseia em outros referenciais de povos e culturas.

“A escola enfrenta o racismo construindo uma outra subjetividade a partir de outros marcadores ancestrais. Enquanto a escola só estiver contando a história da Europa e a narrativa europeia, a gente não vai enfrentar essa pré-história da humanidade que é o racismo”, pontua Bárbara.

A professora Lucia Helena, que também foi responsável pela formação continuada de profissionais da educação em Curitiba, acredita que investir na educação dos profissionais que atuam dentro das unidades de ensino, desconstruir o mito da democracia racial, descolonizar currículos e trabalhar na construção de uma identidade positiva das pessoas negras são movimentos importantes em torno de uma educação antirracista.

“Uma outra coisa que eu percebo muito é que ainda temos um número muito reduzido de profissionais negras e negros dentro das unidades escolares. É muito comum ouvirmos de professores, que são negros e negras, dizendo que só a presença deles dentro da unidade já educa, porque traz referenciais positivos e quebra com paradigmas sobre o lugar de negros na sociedade”, considera Lucia.

Dimensão familiar na educação

Como um compromisso não só das escolas, mas de toda a sociedade, a comunidade familiar, que é a primeira de todas as pessoas, é fundamental no processo de construção de uma identidade de valorização da negritude.

“Não adianta só as escolas estarem preparadas, os pais dos alunos também têm que estar. Eu acho as escolas ainda um pouco falhas, mas eu, como mãe, preparo minha filha todos os dias, digo a ela que é linda e que tem capacidade para fazer qualquer coisa”, comenta a afroempreendedora e mãe Chris Araújo.

Chris Araújo e filhas.

Chris Araújo e as duas filhas. | Crédito: Arquivo pessoal

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Este conteúdo é resultado de uma parceria entre a Alma Preta Jornalismo e a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, que existe para desenvolver a criança para desenvolver a sociedade. A fundação elege quatro prioridades: mobilizar as lideranças públicas, sociais e privadas; sensibilizar a sociedade; fortalecer as funções dos pais e dos adultos responsáveis pelas crianças e melhorar a qualidade da educação infantil no Brasil.

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