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“O hip hop resgatou minha autoestima”, diz DJ Branco

O Dia Mundial do Hip Hop é celebrado neste 12 de novembro; movimento surgiu nas periferias dos EUA e hoje está presente em todo o mundo, com letras que denunciam injustiças sofridas pela população negra

Foto: Divulgação

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11 de novembro de 2022

As denúncias da realidade negra periférica do bairro do Bronx em Nova Iorque, na década de 1970, ultrapassou as fronteiras dos Estados Unidos e até hoje são expressas pelo hip hop em todo o mundo. O movimento artístico e cultural ganha destaque neste sábado, 12 de novembro, quando é celebrado o Dia Mundial do Hip Hop, que completa cerca de cinco décadas de existência e resistência.

Em entrevista à Alma Preta Jornalismo, Giovanna Carneiro, jornalista e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que o hip hop chegou no Brasil já no final da década de 1980, materializou-se inicialmente nos subúrbios de São Paulo e depois foi difundido para as demais favelas do país.

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“O movimento tem essa característica periférica justamente porque engloba expressões feitas por pessoas negras, como, por exemplo, o rap, que é um gênero musical feito por pretos para contestar todo um sistema racista”, explica a pesquisadora do rap e masculinidades negras. 

O rap, aliás, é um dos pilares do hip hop. O gênero musical, segundo a especialista, faz parte e nasceu junto com o movimento. Ele tem como base o ritmo e a poesia, que reivindica, em suas letras, o lugar do negro na sociedade e denuncia também os problemas cotidianos, como a violência policial, relação da população com as drogas, sexo e exploração do trabalho. 

O rapper, pesquisador e produtor cultural Wall Cardozo pontua que o ritmo é composto pelo MC (Mestre de Cerimônia) e pelo DJ (Disc Jockey). Além do rap, o hip hop conta também com outras duas linguagens artísticas: o grafite e breakdance. “O hip hop e o rap muitas vezes se confundem porque, se o rap faz parte do hip hop, o hip hop também é rap. Então, se está rolando um show de rap ou uma roda de breakdance ou uma convenção de grafite, aquilo ali é hip hop por mais que não tenha os quatro elementos presentes”.

O artista coloca que o DJ nova iorquino Afrika Bambaataa aprofunda ainda mais a discussão sobre o tema ao defender que existe ainda um quinto elemento: o conhecimento. “Para ele, o hip hop só faz sentido se tiver o conhecimento junto às outras quatro expressões que compõem a música, a dança e a arte visual”. 

Como surgiu o hip hop?

O hip hop surge a partir da necessidade da população negra periférica de denunciar as injustiças sociais e raciais presentes na sociedade. De acordo com Wall Cardozo, esse é um movimento que resistiu à perseguição de autoridades e até mesmo da mídia tradicional. Inicialmente, as músicas eram tocadas apenas em rádios comunitárias por terem o teor combativo, de crítica ao governo e sem censura, temas que para os veículos comerciais não faziam sentido. 

“Pela primeira vez, músicas estavam falando sobre encarceramento, sobre a relação da população com o uso e o tráfico de drogas, sobre violência policial. Nesse momento, em meados dos anos 2000, surgem as posses, que eram organizações que serviam para juntar o hip hop a outros movimentos da sociedade, como o movimento sindical, de professores, estudiosos. Essas pessoas se juntavam para promover ações dentro das comunidades, como rodas de conversa e discussões, organizarem atos, protestos e, o que fossem demandados das situações cotidianas, eles estavam debatendo”, relembra.

Produtor cultural e fundador da Casa Hip-Hop Bahia, DJ Branco é o primeiro rapper brasileiro a receber o título honoris causa e pontua que deve isso ao hip hop: “Não tenho nem como mensurar. O hip hop me fez entender o mundo da forma que ele é com todas as suas adversidades. Esse movimento disse para mim: ‘você pode, você pode mais, você pode ser o que você quiser a partir do momento que você acreditar em você’. O hip hop resgatou minha autoestima e elevou minha consciência. O hip hop, para mim, é minha vida”.

Giovanna Carneiro reconhece a importância do caráter político do hip hop, especialmente do rap, como a música de protesto contra as consequências sofridas por essa população. Para ela, essas manifestações artísticas surgiu para dar voz aos negros. “A importância disso é que o rap surgiu quando a população negra não tinha acesso a direitos básicos e viviam em uma situação de vulnerabilidade, de miséria constante. Não que isso ainda não aconteça, mas hoje existem políticas públicas, leis e trabalhos sociais que permite que essa população tenha um mínimo de mobilidade social”, diz.

A mestranda vai além ao pontuar que as letras das músicas rap também tem espaço para comemorar as conquistas. “Hoje vemos alguns representantes importantes do rap como Mano Brown e Emicida. Eles têm buscado a narrativa do afeto, da felicidade, do amor, que antes a gente não via nas letras de rap. Víamos a violência, e eu acho que isso reflete justamente o momento histórico e social que a gente vive, como a política de cotas e de auxílio para essa população que conseguem ter um mínimo de poder de consumo”, completa.

Subgêneros do rap

O rap se expandiu tanto que terminou tendo subritmos, como o funk e o trap, por exemplo. O rapper Wall Cardozo comenta que a relação entre a música do hip hop e o funk chega a ser curiosa porque, assim como o rap, o funk surgiu na favela com o mesmo objetivo e o mesmo público. Contudo, em determinado momento, os dois ritmos se dissociaram e hoje passam a ser expressões bastante diferentes uma da outra. 

“Na minha visão, atualmente, os dois já se tornaram muito diferentes. O funk foi para um lugar e o rap para outro. Mas, nesse momento do surgimento dos dois movimentos, se confundia muito por essa origem parecida e aí o engraçado é que, se pegarmos alguns dos funks muito famosos dos anos 1990, o nome desses funk é rap. Por exemplo, o ‘Rap do Silva’ e o ‘Rap das Armas’, que são dois funks muito famosos”, comenta Wall.

Já os laços entre o rap e trap são mais estreitos. “Costumo dizer que o trap se caracteriza inicialmente também pela questão estética, com um instrumental eletrônico muito específico, mas que depois essa característica se mostrou ainda maior também pelo conteúdo das letras, da estética visual (a forma como o trapper se veste), os temas que são falados. Se a gente for parar para pensar é um ciclo que coincide com o próprio rap porque a maioria dos trappers, principalmente os gringos, falam de drogas, de dinheiro, de mulheres, de ostentenção”, explica o rapper.

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Novos tempos

Apesar do caráter de denúncia do hip hop, o rap, durante muitos anos, perpetuou um certo conservadorismo. Giovanna Carneiro explica que os homens sempre tiveram o protagonismo do ritmo, oportunidade que dificilmente é dada para mulheres, gays, pessoas trans… Para ela, o gênero exigia de seus precursores uma virilidade excessiva que terminava afastando qualquer pessoas que fugisse dessa masculinidade cisheteronormativa.

“Esse estereótipo acaba excluindo as mulheres, que, por muito tempo, não se sentiam representadas. Até que elas resolveram se manifestar e contestar isso porque, se é um gênero musical que nasce da periferia negra, onde a gente sabe que as mulheres têm muito protagonismo nas lutas do dia a dia: por que as mulheres não podiam estar presente no rap e a gente vê isso sendo contestado até hoje? Não só as mulheres, mas em uma questão da cisgeneridade aí. O próprio Rico Dalasam fala muito sobre isso. Hiran, que é um expoente da Bahia, que é não binário, fala muita dificuldade dele sobre prestígio dentro do rap mesmo fazendo rap durante muito tempo”, comenta. 

Apesar desse tom excludente, o rap, nos últimos tempos, tem mostrado o seu poder acolhedor das minorias. DJ Branco, inclusive, enxerga esse momento como mágico, que recupera essência do hip hop. “A música rap tem o poder mágico e sensível de dialogar com a cultura. E a essência está nas religiões de matriz africana, é a luta pela igualdade racial e de gênero contra o machismo, sexismo, homofobia. O rap produz conhecimento e faz as pessoas entenderem de que forma tem que se comportar na sociedade para reagir a toda forma de opressão e perserguição contra o genocídio negro que existe no Brasil”, finaliza o produtor cultural. 

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