O empreendedorismo de sobrevivência e matriarcal sempre esteve na veia da família Bastos Nascimento. Há décadas investindo em segmentos distintos, que iam desde feiras populares à vendas de lingerie, as baianas Antônia, Luana e Thaís, três mulheres negras — mãe e duas filhas —, decidiram construir um legado afrocentrado no Centro Histórico de Salvador: o Casa Sankofa Bar e Cultura. Mais do que um espaço que reúne as muitas culturas e culinárias locais com autenticidade, o empreendimento nasceu do sonho triplicado de prosperarem em família.
Um estudo feito pelo Sebrae com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do terceiro trimestre de 2023 revelou que 52% dos donos de negócios no país são negros. As mulheres com esse recorte racial, no entanto, são as que mais enfrentam dificuldades de prosperar.
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Para nadar contra a corrente, elas se ancoram umas nas outras em busca de oportunidades. E esse foi o método usado por mãe e filhas. Em questão de meses elas planejaram e executaram o plano de abertura do negócio e resolveram pôr em prática o ditado “conserte o foguete enquanto ele está indo para a Lua”.
“O plus de um negócio ser gerido por mulheres negras e da mesma família é a capacidade de resiliência que temos em meio às adversidades. Abrimos o bar reunindo salários, cartões de crédito e sete funcionários, entre CLTs e freelas, e fizemos acontecer. Não é a maneira ideal, mas foi a possível no momento”, explica Thaís, sócia da Casa Sankofa.
A matriarca, sinônimo de resiliência, que inspirou a idealização do bar é a dona Antônia, de 57 anos. Ela criou quatro filhas se reinventando como autônoma e, seguindo os passos da mãe, a designer Luana, de 28 anos, e a supervisora de conteúdo Thaís, de 30, também optaram por empreender. E o nome do estabelecimento diz tudo sobre o propósito do trio: elas se inspiraram no símbolo africano Adinkra, chamado Sankofa, que simboliza um pássaro com o rosto voltado para trás buscando uma pedra.
Filosoficamente, quer dizer que nunca é tarde para voltar ao passado e resgatar vivências, a fim de trazer essas sabedorias para o presente e construir um futuro de resistência e continuidade.
“Unimos os nossos saberes e experiências passadas em um negócio com potencialidade, chances de prosperar e que a nossa identidade negra e baiana, tradições de raízes africanas e costumes fossem protagonistas. Sempre prezamos também pela segurança, já que a cidade tem essa dor: mesmo sendo majoritariamente negra, faltam espaços de representação e seguros para as pessoas negras e LBGT+”, afirma Thais.
Bar afrocentrado e plural
Com paredes grafitadas com estética afrofuturista, produzidas pela artista Ananda Santana, o espaço transmite a imponência da cultura afro-brasileira. Os símbolos adinkras e búzios, desenhados pelo artista Faraó, incrementam a área externa do bar, convidando os moradores e turistas a provarem a culinária baiana com pitadas de ingredientes secretos dos chefes da Casa.
Composto por pessoas negras, da equipe aos fornecedores e prestadores de serviços, o bar Casa Sankofa hoje é responsável pela geração de renda para 10 famílias, que se empenham para ser destaque na região pela criatividade do cardápio.
O menu inclui comidas raiz como a feijoada e sarapatel, mas também releituras de pratos típicos, como o arroz de xinxim, que é feito com caldo bem cremoso, castanhas e pedaços de frango. Há ainda o charque com farofa d’água — a tradicional carne seca com vinagrete feita por muitas mães de família como alimento simples para sustento dos filhos. E o carro chefe do bar, que é a coxinha de vatapá.
“A coxinha de vatapá surgiu de um reaproveitamento de um vatapá congelado, que virou um delicioso recheio para um salgado típico do Brasil. Além de ser uma ideia para evitar o desperdício, o prato é uma forma de criar identidade”, detalha a chef de cozinha Mannu Bombom.
No menu, Luana e Thaís também decidiram inovar nas bebidas. Elas convidaram a bartender Géssica Arcanjo para desenvolver uma cartela de drinks: o Sankofa — à base cítrica de tamarindo, xarope de açúcar, raspas de canela e gin —, e o Adinkra, feito de laranja, vodka, água tônica e pó de hibisco. Além das bebidas autorais, faz sucesso a caipirinha de seriguela e os licores da Dom Gourmet, feitos artesanalmente por Rosana Oliveira.
O bar sela as afro-brasilidades ao som de artistas pretos locais. Por lá, toda semana artistas negros, em especial mulheres e LGBT+ realizam shows. A ideia da Casa Sankofa é justamente ser um lar onde é possível reverenciar a baianidade por meio da comida, da arte e do afeto.
Serviço
Endereço: R. Democrata, 16 – Dois de Julho, Salvador – BA, 40060-100
Horários de funcionamento:
Terça, quarta e quinta: 15h30 às 00h
Sábado: 11h30 às 00h
Domingo: 11h30 às 21h