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‘Na capoeira, sou rainha’: Bibinha Origem e Gugu Quilombola celebram bicampeonato no Red Bull Paranauê

Terceira edição do torneio mundial buscou preservar ancestralidade e tradição da capoeira com disputas em Salvador
Na foto, os campeões da terceira edição do torneio Red Bull Paranauê, Bibinha Origem e Gugu Quilombola, celebram a vitória com seus troféus.

Foto: Marcelo Maragni / Red Bull Content Pool

20 de agosto de 2024

A terceira edição do Red Bull Paranauê consagrou no domingo (18) dois veteranos como bicampeões, a baiana Bibinha Origem e o paulista Gugu Quilombola. Os dois já haviam sido campeões em 2018. Com o intuito de enaltecer os ancestrais da luta, o cenário escolhido para a competição de 2024 foi o Monumento da Cruz Caída, no Pelourinho, em Salvador.

Ao destacar nomes como o Mestre Bimba, Mestre Noronha, Mestre Totonho de Maré, Mestre Aberrê, Mestre Caiçara, Mestre Canjiquinha, Mestre Pastinha, o evento enalteceu o estado da Bahia como o “berço da capoeira” para iniciar a disputa travada em três estilos: Angola, Regional e Contemporânea, sorteados de forma aleatória no início de cada disputa.

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O torneio, iniciado nas quartas de finais após uma seletiva que elegeu os dez atletas mais completos para disputar o pódio, foi aberto a um público caloroso de todas as idades que compartilhou com a Alma Preta como a capoeira pode ser apreciada como uma forma de entretenimento, conexão e energia

Os jovens estudantes Everton, Mateus, Enzo, Rafael e Samuel mostraram-se gratos pela nova edição do Red Bull Paranauê acontecer em Salvador. “A energia da capoeira é um nível fora do normal. Você sente que é vida. Antes, a gente só via pela internet, agora que está sendo aqui eu posso vir. Agora a gente vai ter uma lembrança desse momento”, disse um deles.

Para os campeões, essa energia representa uma ferramenta de alcance que pode “transcender barreiras e alcançar lugares que vão muito além do que o sistema fala que a gente pode chegar”, como pontuou Bibinha.

“Costumo falar em todo lugar que eu vou: eu era vista pela sociedade, por esse sistema tão terrível, como aquela menina franzina, com o cabelo duro, e não valia de nada, era a menina que não se encaixava nos padrões impostos. Mas na capoeira eu sou rainha, na capoeira eu me vejo como potência, na capoeira eu sou reconhecida e valorizada”, disse.

“Vejo tudo isso que estou fazendo hoje como um vetor, que vai projetar tantas outras além de mim. Todas podem ver, que é possível, sim, a mulher preta, da periferia, por meio da sua arte, da sua cultura, alcançar reconhecimento profissional como uma mulher que vence machismo, os preconceitos, e a violência que em todo momento tenta nos barrar”, celebrou a baiana. 

Nas semifinais, o pódio preto que se formou, com Saci Fiu e Florzinha disputando as últimas batalhas com os bicampeões, emocionou Gugu Quilombola, apresentado ao público sob os dizeres “seguir o caminho, cumprir o preceito, salvar o respeito, guardar o segredo e manter o axé”.

“Faço parte dessa geração atual, continuo e continuarei honrando os mais velhos, os nossos ancestrais, mas também entendo que o nosso tempo é agora. E a capoeira, que é o meu caminho e pode ser o caminho de muitos, é instrumento de luta para a comunidade preta”, declarou à Alma Preta

“Sei das dificuldades que passei. Não é fácil chegar até aqui, não é fácil se dedicar a capoeira, não é fácil acreditar, mas o mérito não é só meu, tive muitas coisas que me auxiliaram para poder chegar até aqui hoje. Então continuarei me esforçando, auxiliando aqueles que precisarem de mim e acreditando na nossa arte”, compartilhou o paulistano.

Marcelo Maragni / Red Bull Content Pool

‘Não existe um campeão sem uma tradição’

Para Mestre Sabiá, curador do torneio, a criação do Red Bull Paranauê ajudou a resgatar o legado citado pelos bicampeões. Em sua visão, as conquistas alcançadas com o processo de internacionalização da capoeira para 170 países, fizeram com que a arte se desapegasse de alguns valores “extremamente significativos”.

“Além de ter o objetivo de encontrar o capoeirista que contemple todos os segmentos da capoeira, a gente teve a preocupação de entender a capoeira de uma forma plural, trazendo o segmento tradicional da capoeira regional, criada pelo Mestre Bimba, trazer movimentos e entendimentos significativos da capoeira de Angola e entender tudo aquilo que a capoeira sofreu de influência, da capoeira contemporânea”, explicou.

Ao citar o ditado que diz “Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje”, o curador também disse à Alma Preta que é simbólico entender o passado para viabilizar a capoeira como um veículo para “contar a nossa história que conquistou o mundo afora”.

“O Red Bull Paranauê traz a responsabilidade de fazer essas compreensões e deixar o mercado para a garotada. Não existe um campeão sem uma tradição. Não existe estarmos aqui, hoje, sem os que vieram antes da gente. É preciso fortalecer valores e ressignificar os nossos heróis, porque, se não, eles vão ficar desconhecidos. Desde o lugar aonde vai acontecer a competição, na Cruz Caída, onde foi a primeira competição de Capoeira e conta a história do lendário Mestre Bimba, que era desconhecido inclusive pelo universo capoeirístico”, diz o curador.

Neta discípula do Mestre João Pequeno, da Capoeira Angola e discípula do Mestre Pastinha, Mestre Nani participou como jurada da competição ao lado de Mestre Nenel e Mestre Mourão. Ela ressaltou a importância de trazer os princípios, os valores, o respeito e a diversidade, de corpo, de vivência, e de história ancestral.

“É muito importante para a nossa história respeitar um povo que veio sem querer vir, que foi obrigado, que lutou e construiu essa arte-maior que hoje está em vários países, disseminando o nosso português, a nossa história, a nossa pluralidade cultural, que está na raiz da capoeira Angola. Com o Red Bull Paranauê, a capoeira que vem sendo construída, como a capoeira que o Mestre Bimba trouxe, está alcançando outros patamares”, pontuou a mestra. 

“E sendo uma mulher, podendo ser presenteada a conhecer um projeto como esse, e em Salvador, é mais uma aula, mais um fortalecimento de tudo, pois sou uma jovem mestra aprendiz, suburbana, mãe, avó, jovem, não posso dizer que foi fácil, mas estou aqui, e foi a capoeira Angola que me permitiu estar nesse lugar e ser uma mulher capoeirista“, celebrou.

‘Jovens precisam se conectar à capoeira’

Praticante da capoeira há 45 anos, Mestre Maurão ressaltou a importância do torneio para o contexto histórico do Brasil. “Um rio que esquece onde nasce, morre. Então, é lembrar o passado para viver o presente e o futuro da capoeira, que integra uma das culturas mais importantes de matriz africana do Brasil”. 

“O Red Bull Paranauê é um evento que traz esse contexto que é muito importante para nós, capoeiristas, que é a cultura, a arte, antes do esporte. Então zelar por esse lugar de resistência, por esse lugar que a capoeira tem dentro da cultura negra no Brasil é uma coisa muito importante”, pontuou o jurado.

Também vista como um esporte socioeducativo, a capoeira esta presente em diversas comunidades, universidades, e inserida no currículo escolar de vários países. No entanto, apesar de desempenhar um importante papel de agente cultural no mundo todo, os praticantes têm notado a falta de jovens no cenário brasileiro. Por esse motivo, o torneio também é uma forma de aproximá-los da arte ancestral.

“É um prazer trazer, através desse evento, os jovens para a capoeira, é preciso criar novos ídolos esportistas, capoeiristas, nessa lacuna que existe para quem vive de capoeira”, compartilhou. “Quem tem uma vida na capoeira sente essa falta. Nós temos muitas crianças na capoeira, temos pessoas mais velhas, temos idosos na capoeira, mas os jovens e adolescentes se distanciaram da capoeira.”

“Acredito que um evento como esse, zelando por todas essas coisas, os seus fundamentos, e a gente conseguir atrair através desses jovens, excelentes capoeiristas, criarmos ídolos para que a gente possa ir por esse caminho também, não só manter a nossa cultura, como estimular cada vez mais, sobretudo no nosso movimento e na nossa capoeira”, concluiu o Mestre.

  • Mariane Barbosa

    Curiosa por vocação, é movida pela paixão por música, fotografia e diferentes culturas. Já trabalhou com esporte, tecnologia e América Latina, tema em que descobriu o poder da comunicação como ferramenta de defesa dos direitos humanos, princípio que leva em seu jornalismo antirracista e LGBTQIA+.

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