Marruá, sobrenome da protagonista Juma, significa quilombola em espanhol, mas atriz da primeira versão era branca
Texto: Guilherme Soares Dias | Edição: Nataly Simões | Imagem: Reprodução
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O anúncio de que a TV Globo vai fazer o remake da novela “Pantanal” agitou as redes sociais. Sucesso na extinta TV Manchete em 1990, a novela foi um marco na teledramarturgia por ser líder de audiência em outra emissora que não a Globo e ter imagens externas que mostravam as belezas da maior planície alagada do mundo. No Mato Grosso do Sul, onde a história foi gravada, o folhetim era uma verdadeira febre. Durante anos, o turismo do estado foi incentivado por conta da repercussão da história.
A personagem de Juma Marruá passou a fazer parte do imaginário popular. Na primeira versão, ela foi interpretada pela atriz branca Cristiana Oliveira. O sobrenome “Marruá” é uma palavra que no espanhol (cimarrón) e francês (marron) significa quilomba. O termo é de origem aruaque, indígenas que habitavam no Brasil, Colômbia, Bolívia.
“Essa palavra era usada para se referir a animais domesticados que se desgarravam e se tornavam bravos e revoltos. Essa mesma palavra também era usava para denominar seres humanos que fugiam do cativeiro e iam formar comunidades livres, ou seja, os quilombolas. É um flagrante linguístico da desumanização que as pessoas negras eram submetidas na época da escravidão”, destaca a mestranda da Escola da Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo, e pesquisadora Cinthia Gomes, citando trecho do livro “Crítica da Razão Negra”, de Achille Mbembe.
Em português, segundo o Dicionário Michaeles, é um novilho ou touro muito bravo ou indivíduo sem experiência, que se deixa enganar facilmente. O touro que se desgarra do rebanho e se torna selvagem (marruá) é considerado um símbolo do Pantanal. Além da origem do nome, a maior parte da população que vive na região é negra e indígena e não foram retratadas na primeira versão da novela.
Corumbá, que é a maior cidade da região e um dos maiores municípios do Brasil, abriga em sua área a planície pantaneira, com 71% de pessoas que se consideram pretas ou pardas. O local de gravação do remake da novela ainda não foi definido. A primeira versão ocorreu na fazenda Rio Negro, que em Miranda, município vizinho de Corumbá. O autor da novela diz que estuda locações nos dois estados (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) e que ainda deve decidir por um deles.
Originalmente escrita por Benedito Ruy Barbosa, a novela terá roteiro de seu neto, Bruno Luperi, que foi um dos co-autores da novela “Velho Chico” (2016). Em “Segundo Sol” (2018), novela que se passava na Bahia, o elenco era majoritariamente branco, assim como em “Sol Nascente” (2016), que contava a história de descendentes de japoneses. Outri exemplo de embranquecimento nas produções da TV Globo é a novela “Alma Gêmea” (2005), que trazia a atriz branca Priscila Fantin como a protagonista de origem indígena.
Atores locais
A atriz sul-mato-grossense Rane Abreu é apontada por produtores da região como um dos nomes naturais a estar na produção. Ela defende que a questão racial precisa estar presente no folhetim e que a emissora vai precisar se adequar ao momento em que esse tema está em visibilidade. “Não sei se sou uma atriz com características para TV. Tomara que tenham sensibilidade de ter atores locais”, ressalta.
O ator Bruno Moser, que nasceu em Corumbá e é conhecido em Campo Grande (MS) por atuar em filmes, comerciais e peças de teatro, espera que a produção utilize mão de obra local. “É uma oportunidade pra classe e pra quem trabalha com isso há tempos. Acredito que eles utilizarão mão de obra local por questões financeiras e de logística”, aposta.
Moser afirma ainda que é importante que “Pantanal” aborde temas políticos que envolvem a conservação ambiental, como reforço da importância do bioma para o país e para o planeta, contribuindo para projetos que visem a preservação da natureza, que vive atualmente um problema de queimadas que devasta parte significativa da região.
Para o corumbaense, ator e diretor de teatro Salim Haqzan, fundador do Grupo de Experimentos e Truques Teatrais, a escolha da protagonista precisa levar em consideração a “beleza local”. “Será que conseguiremos nos ver? Estamos sempre aquém, nosso biotipo é sempre desconsiderado, nunca aparece nessas produções que vêm para cá”, pondera.
Com ascendência árabe, Haqzan diz que chegou a fazer testes para a novela “América”, que teve uma passagem na região, mas os escolhidos para representar pantaneiros eram pessoas brancas de olhos azuis. Ele ressalta que quando as produções chegam à região já tem elenco pré-definido. “É importante conhecer a linguagem pantaneira, a forma de falar. Esse tempo ‘brejeiro’ que o pantaneiro tem. Provavelmente, vamos assistir a uma novela Pantanal com sotaque carioca”, considera.
O ator acrescenta ainda que em 1990 não havia a percepção do que está sendo vivido hoje em relação à representatividade e a repercussão da internet. “Na época em que foi exibido, eu me identificava com as imagens, mas não com o texto e com a história”, complementa.
O autor da novela, Bruno Luperi, deu entrevista ao site Midiamax, afirmando que “Pantanal” faz parte do seu imaginário infantil e diz esperar que na nova versão as belezas não sejam “industrializadas” e “pré-moldadas”. “Temos a obrigação de encontrar essa tintura brasileira, rostos diferentes, um sotaque novo. Não dá pra garantir que a gente encontre um novo ‘Almir Sater’, é um fenômeno que ocorre de tempos em tempos, outra parte que estamos olhando com carinho é a parte musical. É o momento da cultura pantaneira, da moda de viola, da música raiz”, reiterou. Luperi garantiu que “não tem como fazer Pantanal fora do Pantanal” e que os artistas locais terão oportunidades, como ocorreu em “Velho Chico”.
Segundo Mauricio Stycer, do UOL, se não houver imprevistos, “Pantanal” entrará no ar em setembro de 2021, logo após “Um Lugar ao Sol”, de Licia Manzo, sucessora de “Amor de Mãe”, atualmente com as gravações interrompidas devido à pandemia da Covid-19, o novo coronavírus.