Por: Pedro Oliveira
Símbolo da resistência negra no Brasil, Zumbi dos Palmares se tornou um dos maiores líderes no combate às desigualdades raciais e a escravidão existentes no século XVII no país. No próximo dia 20 de novembro, a morte desse ícone é evidenciada com o Dia da Consciência Negra, data reservada no calendário para homenagear sua história de vida e luta. Como forma de perpetuar seu legado de defesa à população negra, a Alma Preta Jornalismo conversou com alguns historiadores para entender como foi a morte de Zumbi dos Palmares e o que isso representou para os quilombos da época.
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De acordo com o Severino Vicente da Silva, professor e doutor em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Zumbi dos Palmares foi preso e morto depois de ser traído por seus aliados. “Ele foi traído por um núcleo de pessoas amigas. Foram negros que fizeram um acordo com os portugueses e entregaram Zumbi através de uma armadilha”, explica o pesquisador à reportagem, ressaltando que pouco se sabe sobre a história de vida desse líder, principalmente porque os registros existentes foram documentos pelos portugueses que imprimiram sua versão sobre os fatos.
Zumbi dos Palmares sucedeu seu tio Ganga Zumba, que na época liderava Palmares, mas passou a ser considerado um traidor pela população negra que resistia à supremacia imposta pelos portugueses e holandeses por negociar um acordo que colocava fim à guerra de combate à escravidão com o governo português. Ao firmar esse pacto, Ganga Zumba vai para Cucaú, região mais ao Sul de Pernambuco, com a promessa de um território livre. Contudo, ainda segundo o historiador, tempos depois, os brancos terminaram invadindo com o discurso de que ali residiam negros fugitivos.
É nesse contexto que Zumbi – que, mesmo sendo negro, fazia parte de uma família real – se torna a principal liderança de Palmares, que reunia cerca de 16 quilombos entre as regiões localizadas entre o norte de Alagoas e o sul de Pernambuco. Antes de se tornar o principal alvo da Coroa Portuguesa do século XVII, ele foi criado por padres e chegou a ser levado para Portugal. Tempos depois ele volta à região e passa a ter um contato muito próximo com a escravidão dos negros, que passa a defender.
“É importante mencionar que Palmares vai se constituir como uma sociedade alternativa a um período de escravidão marcante na sociedade colonial. Por isso, ela é entendida como a ‘Terra da Liberdade’. Muita gente vai fugir da rotina e cotidiano da escravidão nos engenhos de cana de açucar no Nordeste brasileiro rumo a Palmares”, pontua Danilo Uiz Marques, professor de História do Brasil e coordenador do Núcleo de Estudos Afro Brasileiro e indígenas da Uniersidade Federal de Alagoas (UFAL).
“Zumbi se torna uma liderança importante no período da guerra contra os portugueses porque é o comandante que vai combater as tropas anti-quilombo”, complementa. Após a superação da guerra contra os holandeses, o foco dos portugueses passou a ser o novo líder de Palmares. Danilo Uiz coloca que, por se ter poucas informações biográficas documentadas sobre essa personalidade, há muitas versões sobre como ele teria morrido.
Sobre a importância de Zumbi na luta precursora contra o racismo, a professora de História Vitória Trindade enfatiza: “Para além do que Zumbi efetivamente fez, sua importância está ligada àquilo que ele representa. O mais importante: o combate ao racismo nos dias atuais é, justamente, a inspiração trazida pela sua postura combativa frente à escravidão, principalmente por se tratar de um nascido livre. Isso lembra ao povo preto a responsabilidade do Ubuntu [filosofia africana que prega que a existência de uma pessoa está conectada à do outro] e reflete também na fala adaptada de Audre Lorde: ‘não serei livre enquanto outro for prisioneiro, ainda que suas correntes sejam diferentes das minhas’”.
Como foi a morte de Zumbi dos Palmares?
“A morte de Zumbi teve várias versões na história. A uma versão mais aceita – para não dizer uma versão oficial – é que Zumbi foi morto no dia 20 de novembro de 1695, na Serra da Barriga, em Alagoas. Ele teve a cabeça cortada e levada para o Recife, onde foi exposta em praça pública. Outras versões dizem que ele conseguiu fugir e se escondeu em uma outra região. Há uma hipótese de que ele foi para uma cidade chamada Quebrangulo, há pessoas que dizem que ele se suicidou e outros que dizem que ele nunca foi pego. Mas, o que a gente entende mesmo é que ele foi assassinado no dia 20 de novembro de 1695”, descreve Danilo.
Principal líder quilombola, a morte de Zumbi dos Palmares não passou despercebida já que ele era o principal articulador da autonomia e liberdade dos quilombos existentes naquela época. Seu assassinato repercutiu bastante na sociedade – até hoje, na atualidade -, trazendo um significado específico para os portugues e impactos prejudiciais à comunidade negra do período.
“A ideia era expor a cabeça em praça pública para ter um exemplo de que qualquer resistência à escravidão seria retratada daquele jeito. Fazer isso era uma espécie de troféu, ainda mais com uma liderança como foi Zumbi. Sua morte foi um marco para a Coroa Portuguesa, que deu cabo e acabou com o que seria Palmares, que era uma notícia que circulava por vários territórios afro-atlânticos como Angola, Portugal e por aí vai”, analisa o coordenador.
Impactos para população negra
A morte de Zumbi terminou desarticulando a organização existente em Palmares, causando impactos negativos para os negros escravizados, que tiveram a esperança do acolhimento fora dos engenhos de cana de acuçar usurpadas. No entanto, apesar da vitória dos portugueses sobre o maior líder dos Quilombos, a morte de Zumbi serviu também para abrir portas para outras lideranças.
“Às vezes pensamos que Palmares acaba com a morte de Zumbi, mas vamos ter lideranças que vão continuar lutando como Camoanga e Mouza. Vamos ter uma permanência das resistências, mas em menor porte porque vai haver uma desarticulação da organização palmarina”, destaca Danilo Uiz.
“Muitas pessoas vão fugir do entorno da Serra da Barriga e é por isso que vamos ter muita comunidade quilombola no Sertão alagoano e pernambucano porque essas populações vão fugir ao máximo de onde estavam estabelecidas as tropas dos bandeirantes. Mas vamos ter pessoas que vão continuar a resistir e sobreviver nessas matas ao norte de Alagoas e ao Sul de Pernambuco até o século XIX”, finaliza o pesquisador.
Depois de 300 anos do assassinato de Zumbi dos Palmares foi criada a Lei 9.315, em 20 de novembro de 1996, que inscreve o nome do líder como heroi nacional no “Livro de Aço dos Herois e Heroinas da Pátria”. O memorial Panteão da Pátria Tancredo Neves fica localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e homenageia personalidades de grande destaque nacional. Além de Zumbi, o líder abolicionista Francisco José do Nascimento (conhecido como Dragão do Mar); o escritor, advogado e jornalista Luiz Gama; e Maria Felipa de Oliveira, guerreira negra e símbolo da resistência que lutou pela independência da Bahia, também são citados no Livro de Aço.
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